Frei João Costa, OCD
1. Sem ir a banhos, antes palmilhando a beira do lago ocupado na semeadura do Evangelho, Jesus começou a ensinar. Ajuntou-se à sua volta tanta gente à procura da sementa da sua palavra, que teve de subir a uma barca, a fim de se dirigir ao gentio cujos pés descalços juncavam de negro toda a praia. E de que haveria Ele de falar-lhes senão do reino de Deus – mas isso, sim, por meio de parábolas? –. Falava-lhes conforme eram capazes de entender, socorrendo-se de palavras que sempre partiam do quotidiano dos que o ouviam, da sua vida e da dureza do seu labutar. E quem eram eles senão o lavrador que, depois de cavar de sol a sol, lança a semente à terra; o pastor que sai em demanda da ovelha perdida; a mulher que varre a casa porque uma das suas moedinhas se perdeu; ou o pescador que se afadiga a lançar as redes e não pesca mais que dois pedaços de algas?
Aquilo era belo de se ver. De se ouvir.
As parábolas de Jesus caíam como chuva mansa no coração dos ouvintes, e eles entendiam-nas, já que lhes falava das suas coisas com palavras da sua eira e do rebanho das suas preocupações, alumiando-lhes as situações obscuras, e desvelando-lhes sentidos ocultos!
2. As parábolas evangélicas são estórias do dia a dia que Jesus acendia como faróis de luz em noite escura. Fogueiras que só Ele sabe atear para alumiar uma situação obscura, um problema comum, para desvendar um sentido oculto, abrir um caminho, um futuro, uma esperança. Sim, Ele gostava de contar estórias, digo, parábolas, como as que neste XII domingo comum nos repropõe em Marcos 4:26-34. São duas estórias pequeninas, pequeninas, sim, mas nem por isso menos desafiadoras ou de menor luz.
3. Mas, e se escutássemos a bem escutar o luminoso raio de luz que Jesus hoje nos acende nestas duas parábolas? Surpreende tanto o que ali se diz que, se bem ouvido e acolhido, temo bem, correríamos o risco de virar as costas à luz! Ou amordaçar a semente!
Já me explicarei…
Sabemos bem que, na Sua pregação, o que mais Lhe interessava era falar como quem entreabre os dedos da mão para espalhar, profusamente, o Reino de Deus por sobre a terra negra, ávida e fresca. Mas, e o que é o Reino de Deus? É Jesus-Ele-mesmo no meio de nós, terra negra e faminta. É Ele-mesmo pujante de vida e de esperança; Ele-mesmo, sereno e calmo, por entre as outras plantas da horta que também somos nós. Ele-mesmo, qual alegria em flor despontando por entre as durezas da vida, quando ainda a primavera nem o inverno venceu. É Deus reinando, sem jamais esmagar alguém; reinando como quem ampara a pão bendito a vida das pessoas, das famílias, das comunidades e sociedades pobres. É Deus com mãos e olhar de mãe embalando o sono de um bebé de peito; animando outro que, à mesa, sarrabisca no caderno diário os deveres da escola; e com o olhar impele os sonhos robustos e afoitos dos mais velhos. O reino de Deus é Deus bênção. Deus bendizendo. Deus dizendo bem de nós. É Deus palavra mansa. É bálsamo que acalma. É Deus acolhendo. Deus perdoando. Deus misericordiando. É Deus-beijo, Deus-abraço. É Deus andarilhando na tribo dos pobres rebuscando a esperança. É Deus de mão dada com os justos que imitam a vida e os passos de Jesus, opondo-se à guerra, partindo as espadas, e fazendo o bem e, por praticarem a caridade, merecerem o reino celeste da glória de Deus.
Ontem, nas praias da Galileia, e hoje, pelos caminhos do mundo, por entre os espinhos e os destroços das bombas, e pelas autoestradas da comunicação, a Jesus interessa-Lhe falar-nos disso, sim – do seu reino. Interessa-Lhe dizer-nos, confiar-nos, insistir-nos que está no meio de nós, qual semente escondida na terra, aguardando, pacientemente, as chuvas do outono – e é que Jesus estava, e está, no meio de nós! –; que os seus propósitos florescerão nos lábios que beijam meninos, que acariciam doentes e acamados; nas mãos que afagam corpos doridos, tratam feridas, mermam dores, dão pão aos peregrinos; ensinam a desenhar, mão na mão, o aeiou; nos ombros que se emprestam aos desconsolados; nas bocas onde aninham pombas que dão bom conselho, que acalmam desavindos, guiam perdidos, serenam tempestades, constroem a paz. Interessa-Lhe confiar-nos que o Seu triunfo será certo, é certo e até já se entrevê, tal como a mimosa florindo, humilde, gentil e humilde, sobre os rigores da rijeza do frio invernio.
Entrementes isto, a história dos impérios do mundo avança sobre os escombros de outros impérios, sobre nações espezinhadas e espoliadas, sobre as tenras vidas dos inocentes. Porém, as luzes pequeninas que a boca de Jesus acende jamais são denegadas, jamais postergadas, jamais vencidas: com Ele sempre o pequenino, sempre o esquecido no seio da terra, floresce mimoso, inverno em pós inverno. E pela indomável força que só a semente pequena preserva e tem, sempre ela vence, sempre rompe e rasga a carapaça do duro gelo, da neve fria e o impetuoso granizo, para nos sorrir, vitoriosa!
Jesus sabia disso, sabia, e sabia bem, e outros como Ele e São João da Cruz sabem-no e bem no-lo disseram que é durante a brumosa escuridão da noite que se fabricam, e para nós e para o mundo, se abre o pequenino alforge dos milagres da vida do dia a dia: «Em uma noite escura / de amor em vivas ânsias inflamada, / oh! Ditosa ventura! / Saí sem ser notada, / ‘stando já minha casa sossegada».
4. Loas, pois, ao humilde e ao pequenino – no segredo da pequenez é que Jesus entrevê o grande, vê o triunfo.
De que nos fala, neste domingo, pois, Jesus?
Diz-nos que o reinado de Deus é como o homem que semeia: logo depois se deita à noite, e de manhã se levanta e, entretanto, a semente germina e cresce, sem que ele saiba bem como – porque, que o homem durma é tudo quanto é preciso para que a semente para fure a terra até ver a luz!
Fala-nos Jesus que o reinado de Deus é como a semente da pequena mostarda: quando semeada, é a menor das sementes; mas depois que a terra se abre, a acolhe e cobre, logo ela cresce e se torna hortaliça e tempero que enche e dá sabor ao prato sobre a mesa!
5. É óbvio que as palavras de Jesus nos têm de surpreender: o seu reino, reino eterno, reino de justiça e de bem-aventurança, tem a indomável força das sementes! Das pequeninas e gentis sementinhas. Das pequeninas… sim, dessas mesmo!
Centremo-nos, pois, nas sementes. Pequeninas.
Demoradamente as contemplemos. Se possível, tomemos uma em nossas mãos. E que vemos? Vemos quase nada; que a mão é imensa como o mapa-mundi e que a sementinha bem diminuta é. Porém, se a mão em vez de se fechar, se abrir, e a deixar cair, se o lavrador em vez de a salvaguardar em seu celeiro, se a lançar à intempérie, tirará dali alimento para si, sua família e animais!
Toda a semente tem a força duma explosão: em explodindo, traz vida, devolve vida, alimento, calor, alegria, ânimo, força, e inclusive poiso com passarinhos!
Sim, eu creio na força indomável das sementes, na força das gentes pequeninas! Já não creio em programas transnacionais, nem em gente com medo. Eu creio na força da simplicidade das pessoas humildes que frequentam os sacramentos todos os dias, pela manhã, e que à tarde levam chá, mimo e boas palavras a acamados. É muito? Não, não é, é Evangelho caminhando discreto e desapercebido pelas ruas da cidade; é Evangelho em movimento, recoberto por um paninho de alvo linho bordado com corações do Minho. Eu creio na beleza fecunda de gente simples, fazendo coisas discretas, em lugares pouco interessantes. Eu creio nesta página do Evangelho em que me revejo e me prefiro situar.
6. Sim, eu creio no ousado gesto libertador do lavrador que semeia. Creio na força de quem perde. No coração que sabe que tudo pode perder, e ainda assim, repetindo a perda, todos os anos restaura os seus celeiros.
Eu creio no sono da semente e no abraço aconchegante da terra. Creio no impoder do lavrador sábio, sabedor de que jamais sabe ou pode fazer germinar uma só semente! Que sabe que, amanhã e depois, comerá do pão saído da semente traçada, triturada e esmagada mas, primeiro, tem de aceitar perdê-la, sem saber ensiná-la a romper da terra para a luz!
Sim, eu creio que o inverno nada pode contra a força de primavera loira que a semente encerra. Nada pode contra o sono que dá vida, alimento e mesa farta. Eu creio no perder que é ganhar.
7. Eu jamais cri em multidões triunfantes, mesmo se entro nelas. Eu jamais cri em tronos. Eu creio na fé dos pequeninos, mesmo se têm chapéus bicudos na cabeça. Creio naqueles que sabem acender uma candeia no escuro e passam contas escuras por entre os dedos. Creio na esperança dos pequeninos sofrendo dores maiores, enquanto esperam e confiam no bálsamo que se achega por frestas pequeninas.
8. Eu creio no vigor do sono da semente, que nos medra e ampara os passos e nos leva ao céu!