Armindo Vaz, OCD
Em linha com a reflexão que aqui fazíamos no mês passado sobre a liberdade como valor determinante da natureza humana, continuamos hoje a pensar nos seus fundamentos antropológicos e espirituais.
A ideia de liberdade é fugidia e variável, segundo as diferentes épocas e culturas que a pensam e a vivem. Está condicionada pelo contexto social, pela história humana, pela experiência e pela psicologia das massas: é dinâmica, está ligada à vontade. Sempre em construção e em realização, expõe-se a mal-entendidos, ameaçada sob diversos aspectos por interesses, limitações e ambições humanas. O ser humano precisa de mimar e constantemente defender a liberdade, como constantemente está chamado a escolher-se a si próprio e a tornar-se na pessoa que é.
Mas essa tarefa não se realiza unicamente por meio de estruturas e organizações, manifestações de rua e leis. A liberdade total consolida-se e ficará mais garantida, porventura mais com o sofrimento do que com a luta conflituosa, quando for complementada e enriquecida com uma liberdade assente no espírito humano, acima de tudo quando fecundada pelo projecto libertador oferecido e vivido por Jesus. De facto, então acontecerá a “gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8,21), realizada por Jesus em comunhão com o Pai e com o seu Espírito de Ressuscitado. Realiza-se a garantia do teólogo da liberdade Espiritual que foi S. Paulo: “A lei do Espírito que dá vida em Cristo Jesus libertou-te da lei do pecado e da morte” (Rm 8,2), do pecado que constitui a morte da verdadeira liberdade. “A lei do Espírito” é o regime de vida sob a influência do Espírito, do Espírito que é Amor, que em definitivo orienta a acção dos filhos de Deus a exercerem a liberdade plena fazendo o bem. Isto significa que, do ponto de vista da espiritualidade bíblica, a liberdade não é conquista do ser humano mas dom de Deus por meio de Jesus, no Espírito de ambos: “Onde está o Espírito do Senhor aí está a liberdade” (2Cor 3,17). Sem perder interesse pela sua dimensão psicológica e sociológica, funda-se e centra-se na sua íntima ligação a Jesus libertador. É liberdade “em Cristo”, concedida pela fé nele (Gl 5,1.6).
Certamente, pelas limitações do ser humano na resposta à liberdade enquanto dom de Jesus, o cristão vive-a na tensão (positiva) entre o ser livre que é (por graça) e a liberdade total para a qual tende “pelo amor”. Mas a sua fé influencia positivamente o exercício da liberdade. A inspiração para agir sempre bem, amando com coração livre e em conformidade com a vontade de Deus, advém da lei interior, lei nova, que é “a lei do Espírito” e coincide com a consciência bem formada, no interior da comunidade eclesial, pela leitura das Escrituras, inspiradas pelo Espírito que ainda hoje ‘fala’ nelas. Com esta liberdade entrava em confronto o regime da Lei judaica do tempo de Jesus, lei antiga que defendia que o crente conquistava a salvação pelo mérito das suas boas obras. Mas o cristão não se rege pela disjuntiva “lei ou liberdade”. Cumpre leis em liberdade Espiritual, que inclui a liberdade de (evitar concretizar más tendências e males) e a liberdade para (amar Deus no serviço às pessoas).
Portanto, a liberdade Espiritual, que – como víamos – tem uma irrecusável dimensão interior, tende a projectar-se para o exterior: o cristão libertado por Deus em Jesus torna-se ele próprio libertador, numa extensão da mensagem de Jesus, seu senhor, amigo e irmão. As duas dimensões da liberdade enquanto dom de Jesus e enquanto missão humana são indispensáveis e complementares, não se podendo ceder à tentação de contentar-se com uma delas, como se fossem compatíveis um corpo acorrentado e uma alma livre. Por ser liberdade enraizada no amor a Deus e ao ser humano, é decisiva a ligação da liberdade Espiritual ao compromisso social, gerando uma liberdade integral, uma das condições essenciais do pensamento humano, tão indispensável como o ar que respiramos, também no sentido de que integra a abertura a novos caminhos.
Na verdade, se nos concentrarmos na dimensão interior da liberdade cristã que é a oração, dela brota um dinamismo que dá ao orante a capacidade de intuir as implicações humanas e sociais da acção de Deus no mundo. Na oração dos humanos, Deus faz sentir as suas exigências de libertação dos humanos. A oração autêntica fomenta a responsabilidade na verdade, a escuta nas propostas, a franqueza na lealdade, a coragem de inovar e mudar. Porque a liberdade humana está sempre em perigo, Paulo recomenda: “Permanecei, pois, firmes e não vos sujeiteis de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).
A forma mais eficaz de permanecer livre é tornar-se sempre mais livre, com escolhas livres: a melhor forma de guardar o grande dom da liberdade é dá-la, respeitando a liberdade dos outros. Sabe bem o valor dela quem por ela deu a vida, como fizeram Sócrates, o grego, e Jesus, o Nazareno.