MFOU AWAE, CAMARÕES (ÁFRICA), 4 FEVEREIRO 1982 | LEGNANO, MILÃO, ITÁLIA, 5 JANEIRO 2006

Frei João Costa, OCD

O santo que fazia gelados

Jean-Thierry Ebogo nasceu no dia 4 de Fevereiro de 1982 em Mfou Awae, província de Bamenda, noroeste dos Camarões, a quinze quilómetros da paróquia de São Joaquim e Santa Ana de Nkoabang, no seio duma família cristã muito pobre, mas piedosa. Seu pai, René Bikoula, era guarda prisional, sua mãe, Maria Teresa Assengue Edoa, professora.

A família deslocava-se a cada dois ou três anos, segundo ao pai era assignado este ou aquele destino. Por esta razão o menino cruzou o seu país de norte a sul, de este a oeste, o que lhe permitiu abrir o coração e a inteligência à diversidade e interculturalidade. Era o segundo de oito irmãos.

Foi baptizado no dia 27 de Maio de 1982, em Mankom, província de Bamenda.

Menino permanentemente a caminho com a sua família, sempre quis ser sacerdote – que para ele significava ser outro Jesus –, desejo que seus pais jamais impediram. Pelo menos desde os cinco anos que afirmava tal desejo!

Dois sobressaltos remarcaram a sua infância. O primeiro foi um encontro com um missionário. Deslumbrado pela cruz de madeira que lhe pendia sobre o peito, quis ser também ele missionário: «o sacerdote tinha algo especial em si! Era belo em sua túnica e a cruz repousava pacificamente sobre o seu coração. Era a cruz do Senhor. Oh, que coisa mais bela! Eu achava-a bela, mas não pelo material de que era feita. Achava-a simplesmente muito bela e não sei porquê!».

O segundo sobressalto corresponde à necessidade de ajudar os pais na sobrevivência da família. Pequenino que era, perguntava-se, contudo, que posso eu fazer para ajudar? Pouco podem as forças dos meninos, é certo, mas não são, porém, de desprezar os seus esforços e canseiras. Nada mais podendo, Jean-Thierry dedicava-se a recolher limões e a fazer gelados que depois vendia pela rua. Como se tornaram famosos os gelados de Jean-Thierry, nos dias de calor, quando o pó se misturava com o sol escaldante! Um verdadeiro sucesso! Ele, porém, regressava a casa sob os dardos do mesmo sol ardente e de garganta seca…

Frequentou a escola sempre com sucesso e sem interrupções.

Simpático, alegre, sempre disponível e amigo dos seus amigos, Jean-Thierry volveu-se popular em Bamenda. Ah, e vendia diariamente os tais vinte litros de gelado! Todos gostavam dele. E as meninas chamavam-lhe João Queridinho. Enfim, todos disputavam a sua amizade. Já ele tinha apenas um propósito: ajudar a sua família, tornar-se sacerdote e imitar Jesus em todos os instantes da sua vida.

Durante os anos da pré-adolescência, vários foram os episódios que revelaram a sua determinação em ser fiel ao chamamento de Deus: reúnia os seus pares e improvisava com eles momentos de oração e pequenos coros litúrgicos; era activo na paróquia e animav o grupo vocacional; era acólito e não se importava com os contratempos que os seus compromissos cristãos lhe causassem. A mãe, contudo, lamentava-se ao ver a sua crescente popularidade entre as meninas; perante os receios da mãe, responde-lhe: «Mamã, sei o que pensas, mas posso assegurar-te que mantenho a minha pureza intacta. Pedi a Jesus que me desse o dom da castidade e não tenho dúvidas de que me será concedido… Quero ser padre e quero chegar puro ao sacerdócio».

Recebeu a primeira comunhão aos doze anos, no dia 29 de Maio de 1994, em Guider, província de Garoua, no extremo norte dos Camarões. Trazendo em seu coração a aspiração de ser como Santa Teresinha do Menino Jesus, recusou continuar estudos na escola secundária estadual para entrar, aos treze anos, no Seminário Menor de Guider. Aqui recebeu o sacramento do Crisma no dia 18 de Fevereiro de 1996. Por esses dias, escreveu um poema que reza assim:

«Confio-te minha vida,
meu ser para toda a eternidade.
Posso encontrar algo melhor em outro lugar?
Não, o Senhor é realmente o melhor,
disto eu tenho a prova.
O Senhor me criou, me fez.
Com amor o Senhor me coroou.».

Agradando-lhe a vida no seminário, optou, porém, por seguir os seus estudos pela via científica, pelo que foi aconselhado pelo reitor a regressar a casa. Como por aquelas horas seus pais se deslocavam para Monatelé, ao centro dos Camarões, Jean-Thierry seguiu-os para ali e entrou na escola de ensino médio, onde em junho de 2002 obteve o bacharelato em ciências. A razão da eleição dos estudos científicos vem-lhe do irreprimível desejo de ser útil ao seu povo no domínio social. Nos estudos mostrou-se inteligente e foi sempre o primeiro da turma; mas como não lhe bastava sê-lo, esforçava-se por ajudar os menos capazes ou dotados a quem dava aulas. Revelou-se ainda um brilhante poeta e animador de festas.

Acompanhado espiritualmente pelos Padres Oblatos foi convidado a ir para o seu Noviciado em Mokolo, no extremo norte do país. Em pós oito meses, o jovem não foi considerado adequado e foi reenviado para a família que, desta vez, se encontra em Yaoundé.

Enquanto continua comprometido com a paróquia local, uma prima sua, religiosa franciscana, sugeriu-lhe que se apresentasse aos Padres Carmelitas Descalços que patrocinam a missão de São Joaquim e  Santa Ana de Nkoabang, pelo que no dia 28 de julho de 2003, aos 21 anos, bateu à porta da missão, onde permaneceu por quase dois anos, pois aqui encontrara o seu lugar – era um jovem simples, paciente, amável e sociável, com capacidade de adaptação e espírito de serviço, com sentido de humor e capaz para as tarefas que lhe confiavam, por exemplo na condução do grupo de acólitos que, pela sua dedicação e abnegação, o estimam e amam como «um irmão mais velho».

No convento dos Descalços agradaram-lhe especialmente os longos espaços de oração e a vida fraterna, o tempo dado ao estudo e ao apostolado e a possibilidade de trabalhar manualmente. No ano de preparação para o Noviciado mostrou-se, sobretudo, aberto e sensível ao mistério e sempre cultivando uma preocupação em viver e testemunhar o seu relacionamento com o Senhor, a quem desejava pertencer de todo o coração; e vivia feliz e obediente na orientação para a sua consagração.

Hábil que era com as tecnologias da informação, foi indigitado para o grupo que publica a revista A La Source du Carmel.

No dia 29 de junho de 2024 foi admitido ao Noviciado com o nome de Frei Jean-Thierry do Menino Jesus e da Paixão, e foi autorizado a partir, juntamente com mais dois companheiros, para o Burkina Faso.

Eis os mistérios que o fascinavam: a santa Infância de Jesus e a Paixão do Senhor!

De facto, na sua infância, adolescência e juventude sempre vivera alegre e confiante em Jesus e, em fazendo-se Carmelita Descalço, aceitava tornar-se ainda mais criança confiante e, simultaneamente, peregrino pelo caminho da cruz, no qual sofreu intimamente com Cristo e O imitou na Sua Paixão.

Umas semanas depois de admitido ao Noviciado, jogando futebol com os rapazes da paróquia, sentiu uma dor intensíssima na perna direita. O jogo parou, e o que se cria uma lesão era, afinal, um câncer na tíbia. A rótula inchou desmesuradamente, pelo que as dores e a demanda por cuidados médicos impediram a partida para a sede do Noviciado. Com o início dos tratamentos iniciou-se a sua via dolorosa, de hospital em hospital. Finalmente foi operado no Hospital Geral de Yaoundé, no dia 18 de novembro de 2004, onde lhe a amputaram a perna direita – e em amputando-se-lhe a perna, salvaram-lhe a vida; mas apenas só por agora. No seguimento dos tratamentos, porém, os médicos mostram-se cada vez mais impotentes e, incapaz, a ciência; e quando todos mais se entristecem e lamentam, só Jean-Thierry aceita com alegria esta dolorosa provação e declara que o faz para contribuir com o seu sacrifício para o nascimento de vocações religiosas e sacerdotais para toda a Igreja e especialmente para o Carmelo; declarou ainda mais: «Não serei como Santa Teresinha que prometeu uma chuva de rosas desde o céu… Não, quanto a mim, quando estiver no céu farei chover um dilúvio de vocações para o Carmelo e toda a Igreja».

Apesar da dor, a sua alegria mostrava-se surpreendentemente confiante e contagiante, porque «no fim de contas – declarou ao seu orientador espiritual, o P. Giorgio Peruzzotti – o Senhor só me pede o dom de uma perna que já não serve para nada…». Por aqueles dias sofre terrivelmente; se fora um jovem normal, ainda mais sofreria e, sobretudo, muito se lamentaria; a Jean-Thierry, saem-lhe apenas palavras doces em forma de poema:

«Só o meu Pai faz tudo, e tudo é bom.
Não precisas de penetrar nos seus pensamentos:
sê como a criança nos braços da mãe.
Ele não se preocupa com nada,
vai para onde a mãe o leva,
toma o seu leite à hora marcada
e não pergunta se ainda há algum para amanhã».

Em agosto de 2005, o Padre Provincial, P. Gabriele Mattavelli, visitou a missão de Nkoabang e trouxe consigo Frei Jean-Thierry dos Camarões para o convento de Concesa, perto de Milão, Itália, para que iniciasse finalmente o seu Noviciado. Entretanto, fora-lhe aplicada uma prótese na perna direita, e em todos renasce a esperança. Crendo-se a doença adormecida, à chegada a Milão esperava-se que o doente conseguisse beneficiar de melhor assistência médica e recuperasse. Porém, as primeiras observações no Hospital de Legnano revelam que a doença progredira silenciosa e devastadoramente como um incêndio. E onde todos se alarmam, Jean-Thierry sorri e mantém a calma.

De início, no Hospital de Legnano, passou-se um facto extraordinário: por inexistência de camas livres, Jean-Thierry é deixado num corredor, ao frio, durante seis horas numa cadeira de rodas. Quando finalmente foi visto, os exames revelaram uma recidiva do osteoma osteoblástico, em progressão com metástases generalizadas. Quando foi permitido ao P. Gabriell Mattavelli que o visitasse, a Doutra Annarita Braga, reclama:

– Quem é que Você me deixou aqui?

Crendo ter incorrido nalguma irregularidade ou esquecimento, o Padre retribuiu:

– Sabe, acabo de chegar dos Camarões com este jovem, e ali os costumes são outros…

Mas logo a doutora o interrompe, exclamando:

Não, Você não está a entender! Este menino é um santo! Você deixou-me um santo aos meus cuidados! E ele ficou imenso tempo ao frio! Nenhum de nós pode imaginar as dores que está a sofrer, e para mais ele nunca se queixa, só sorri e agradece

De facto, passasse o que se passasse, percebendo-o ou não, Jean-Thierry tem sempre para os médicos e enfermeiros um «obrigado por tudo o que faz por mim!».

Parecendo tudo perdido, numa última tentativa, internaram-no por dois meses no Hospital de Candiolo, com intenção de arrancar esta jovem vida à morte, mas mesmo os tratamentos específicos não deram o resultado desejado.

Levado de novo para o Hospital de Legnano, foi ajudado a enfrentar a última etapa da sua via dolorosa. A 8 de dezembro de 2005, depois de obtida dispensa, na presença da mãe Maria Teresa, Jean Thierry teve a alegria de fazer a sua Profissão Solene na Ordem dos Carmelitas Descalços.

E entra na última etapa da sua curta vida, pois qualquer tratamento se revela inútil. Sem o saber, tem agora menos de um mês de vida.

Morreu com o corpo corroído por tumores, cravejado de dores lancinantes que ele enfrentou com um doce sorriso. À sua volta, dentro e fora do hospital só se ouve dizer: «Morreu um santo!» – o santo invulgar, o santo do sorriso!

Ao despedir-se da mãe, disse-lhe, simplesmente: «Mamã, lembra-te que me ofereceste a Jesus!». E fora, e sempre fora de Jesus, sempre fora um santo servidor de Jesus que rezava, sorria, vendia gelados, estudava e jogava futebol.

Oração do cabritinho de Deus

O nascimento de Jean-Thierry Ebogo está envolto em profundo mistério.

É o segundo de doze filhos; o primeiro foi uma menina, mas os anos demoraram a amadurecer até que ele nascesse. Passaram tantos que a família do pai René começou a insistir para que este assumisse segunda esposa. Mas René era católico piedoso, pelo que excluía tal possibilidade. Anos depois do nascimento do menino, disse-lhe o pai:

– Tu és filho da oração, porque eu pedi insistentemente a Deus para que nascesses!

E assim fora de facto. E se o pai orara confiadamente pedindo o nascimento dum filho varão, a mãe fizera o mesmo, mas em seu coração dissera de outra maneira a Deus:

– Se me deres um menino, eu to entregarei para ser teu sacerdote!

O certo é que Jean-Thierry nasceu fruto do amor e da oração de ambos piedosos pais. Isso sempre o menino soube; e não custa a crer que, também por isso, desde muito cedo, desejasse ser sacerdote, se encantasse com a vida dos sacerdotes – preferindo sempre os que viviam em comunidades, aos solitários! Aliás, desde muito infante quis ser sacerdote e ao longo da sua curtíssima vida sempre manteve aceso tal ardente desejo. E sempre o coração da mãe se mostrou vigilante e atento na condução da vida do filho para o santo serviço de Deus.

De facto, desde o ventre materno, Jean-Thierry carregou um sonho: ser como Jesus!

A vida do menino foi uma busca intensa, uma vida permanentemente em caminho, acompanhando a família nos diferentes destinos em que tivesse de parar. E em parando, sempre que a havia por perto, a primeira caminhada de Jean-Thierry era à igreja paroquial e ao sacrário. E ali gostava de permanecer. Por entre as horas dos seus dias havia tempo para as brincadeiras, tempo para o jogo de futebol, mas sempre em primeiro lugar, tempo para a oração, para a escola e para a preocupação de fazer gelados de limão que depois vendia a fim de ajudar o sustento dos doze irmãos – estudo, trabalho e oração eram os seus amores!

Parecia um monge pequenino.

Na paróquia sempre foi acólito, sempre fez amigos que atraía para Jesus e, também por isso, nunca lamentou ter de perder um jogo de futebol ou uma brincadeira por causa da catequese ou de uma missa.

Aos 13 anos entrou no Seminário Menor de Guider, mas poder estudar ciências, a fim de ajudar depois o seu povo, falou mais alto e, por isso, teve de regressar à família. Logo de seguida integrou durante oito meses o Noviciado dos Padres Oblatos, mas também dali foi mandado para a família, por o seu coração ser mais inclinado à oração que ao apostolado. Bateu, entretanto, à porta da missão de São Joaquim e Santa Ana dos Padres Carmelitas Descalços, em Nkoabang, e aí encontrou o seu lugar – simpático e de temperamento afável, mostrava-se recomendável para a vida comunitária; de inclinação para a contemplação, vivia muito agradado com os prolongados tempos de oração que a comunidade lhe propunha. Na missão de Nkoabang, Jean-Thierry, o milagre da oração, estava verdadeiramente em casa!

Jamais o menino simples de Mfou Awae se escondeu como cristão ou se envergonhou como católico; não tinha medo de cavar o campo ou de varrer os corredores do convento; e sempre deixava transparecer, em seu sorriso e atitudes, a sua amizade íntima com Jesus. Tudo isto foram razões e argumentos para que, naquele período, o superior da missão lhe confiasse a condução de um grupo juvenil de oração.

Aos treze anos escreveu num poema:

«Eu te confio a minha vida,
um ser por toda a eternidade.
Posso encontrar melhor noutro lugar?
Não! Tu és verdadeiramente melhor,
disso tenho eu a prova!
Tu me criaste, tu me fizeste!
Com amor me coroaste».

Finalmente, pensou ele, podia descansar, porque no Carmo encontrara o jardim das delícias, a sua meta, a sua casa e o seu ponto de partida para o céu!

Ao ver-se admitido ao Noviciado dos Carmelitas Descalços toda a sua alma rejubilou e sorriu – de ora em diante seria inteiramente de Deus, todo de Deus, para o serviço de Deus no sacerdócio! Os caminhos estavam-lhe todos abertos e toda a sua alma jubilosamente rendida!

Mas Deus tem um jeito único de nos receber e de nos transtrocar os sonhos!

E assim, o menino que só desejava ser como Jesus, sê-lo-á, sim, mas seguindo a pequena via dolorosa que Deus lhe proporá durante um jogo de futebol – tem ele apenas 21 anos! Sentindo uma dor excruciante na perna direita, sai do jogo, o joelho incha-lhe, a ponto de logo correrem com ele para o hospital, e tão-só os primeiros exames denunciam um câncer na tíbia. Prontamente submetido a quimioterapia, propõem-lhe a amputação. Aceita, porque ou lhe amputavam a perna ou morria; e ele aspirava curar-se para ser sacerdote. E se houverem de lhe cortar as duas, dirá: «então sentar-me-ei numa cadeira de rodas e dedicar-me-ei a confessar, levando, assim, muitas almas para o céu pela via da misericórdia e da oração!».

No dia da amputação pediu que lhe ajudassem a lavar a perna e a perfumá-la, porque «não quer entregá-la de qualquer jeito a Deus!» – o rapaz tem, além de humor, um corajoso enfrentamento face ao infortúnio e as dores. E sempre sorrindo. E há aqui também um bom sentido das proporções, porque a Deus só se dá o melhor que se tem! No entanto, repete esperançoso: «só quero ser curado, para me poder tornar padre carmelita!»; «serei um padre em cadeira de rodas, um padre para confessar e rezar!».

Quando os jovens postulantes de Nkoabang o visitam, apesar das dores, apresenta-se-lhes alegre e jocoso; convida-os à oração e, depois de rezarem, coloca um boné no toco do joelho amputado, ergue-o e começa a falar com cada um… Inolvidável!

Uma semana antes da amputação escrevera num poema-oração:

«Hoje posso ler na minha vida
as linhas douradas
do teu desenho
na triste escuridão da minha vida.
E saber o quanto me amas,
bendito sejas tu!
Sofrendo no meu corpo
por ti o meu espírito se alegra.
Que mais te posso dizer,
a não ser isto que vejo?»

Trazido para Milão e, como a doença não se rendia, antes mais empiorava, Frei Jean-Thierry pediu para professar solenemente na Ordem. A situação não era inédita e, na verdade, no seu leito de dor ele vinha cumprindo um exigente Noviciado… de sofrimento unido à Paixão de Jesus. Durante aquele advento, enquanto decorria o processo burocrático necessário, os jovens mais se voluntariaram e mais se reuniram à sua volta em vigílias de oração e intercessão; e em cada momento de oração o jovem Carmelita renovava o seu desejo de ser como Jesus e de participar na sua Paixão.

Também aqui, em Milão, o transferem de hospital em hospital, de Legnano a Candiolo e daqui, de novo a Legnano, qual nova dolorosa via sacra que ele assume como manso e obediente cordeirinho!

Num ou noutro hospital, sempre pedia aos médicos que lhe dissessem a verdade sobre o seu estado de saúde; e porque sempre unido a Jesus, retorquia depois: «Quando se dá um sentido à doença, esta já não é um sofrimento, mas um caminho para o Alto, um caminho para um Outro, para um Amigo que sofreu como eu… e que, hoje, vem ao meu encontro!».

Por aqueles dias que iam sendo os últimos, estivesse em que hospital estivesse, o seu quarto tornou-se um Carmo místico, um templo de paz e de oração. Entretanto, novas levas de pessoas eram para ali atraídas pela serenidade e alegria do jovem Carmelita Descalço. De facto, num e noutro lugar, muitos são os que se achegaram para o visitar. Durante as visitas, e também fora delas, não há um só momento em que ele não sofra horrivelmente, porém, jamais se apresentou triste, nunca queixoso, nunca depressivo ou desesperançoso, porque antes preferia «oferecer alegria», do que alguém saísse triste de junto de si – ei-lo, apóstolo do sorriso! Um amigo confirma: «sabíamos que ele sofria muito, mas Frei Jean-Thierry nunca se lamentava, antes encontrava forças para oferecer a todos que íamos ter com ele e com ele rezar. Os que com ele falavam ou rezavam, por muito desesperados que estivessem encontravam nele a paz e a serenidade – isto só é possível com uma graça especial do Senhor!».

No dia 8 de dezembro de 2005, estando presente a mãe, que viajara cotizada pelas ajudas dos jovens orantes que diariamente se reuniam à volta do filho, Frei Jean-Thierry do Menino Jesus e da Paixão, unindo dor, alegria e oblação, professou perpetuamente como Carmelita Descalço.

Presidida pelo P. Giorgio Peruzzotti, a cerimónia foi singela como só podem ser aquelas a que assistem os Anjos, a Mãe do Carmo, São José e a Santíssima Trindade!

No dia 26 de dezembro, Maria Teresa despediu-se do filho, porque o visto concedido por Itália não fora revogado nem lhe permitia permanecer mais tempo. Filho e mãe sabem que jamais se volverão a ver sobre a terra com os olhos da fé e, de facto, Jean morrerá daí a dez dias, na véspera da festa da Epifania. Na despedida, ambos choram e, quase em segredo, a mãe lamenta-se que o filho que tão ditosamente entregara a Deus para ser seu sacerdote, não chegue a sê-lo. Mas o menino logo consola a mãe com palavras doces, dizendo-lhe: «Mamã, seja feita a vontade de Deus! Certamente te lembras que me ofereceste a Deus, depois que nasci. Aconteceu ali o que acontece quando visitamos um amigo e lhe levamos um cabrito! Depois que o oferecemos jamais perguntamos ao amigo o que fez ao cabrito, porque ele pode ter decidido criá-lo ou comê-lo, e isso já não é connosco. Agora, eu sou o cabrito de Deus e não devemos perguntar a Deus o que Ele fez com o cabrito que Lhe deste depois do meu nascimento!».

Quando o informaram de que lhe restavam poucos dias de vida, calou-se perturbadoramente durante quatro ou cinco minutos; regressando da sua perplexidade, pois apenas vivia como Carmelita Descalço há dois anos e meio, exclamou docemente: «o Senhor quer uma coisa diferente da que eu quero, e eu aceito a sua vontade. Seja como for, eu não posso ter tido uma existência vã ou uma passagem insignificante sobre a terra, no Carmelo. Tanto quanto o Senhor mo permita, arranjarei uma de maneira a dar uma mãozinha [para obter] as graças mais belas para esta família que será sempre a minha, o Carmelo».

No dia 4 de janeiro de 2006, o P. Giorgio celebrou a eucaristia no seu quarto do hospital. Foi a última em que participou. Àquela hora Frei Jean-Thierry já não tinha forças, mas rezava como um valente, encorajando a todos à oração. Se é verdade que as suas respostas já não se ouviam, via-se que os lábios diziam da abundância do Mistério que o habitava e preenchia e a Quem ele servia e adorava. Recebido o Corpo e o Sangue do Senhor, selou-se a sua boca, mas não o coração. Morreu às 00:15 do dia 5 de Janeiro de 2006, exclamando: «Que belo é Jesus!».

Nunca chegou a ser ordenado sacerdote, mas a sua missão – convocar-nos para a oração – também ainda não terminou. 

Depois da sua morte, o P. Giorgio encontrou debaixo da sua travesseira uma carta escrita em francês: «Senhor Jesus Cristo: o meu corpo dói-me, sinto-me ameaçado, não encontro conforto à minha volta. Vós que estais presente, escutai as minhas queixas e transformai-as em oração. Todos estes momentos dolorosos que sofro, ofereço-os a ti como actos de amor. Aliviai o meu sofrimento físico e moral! Vinde depressa em meu auxílio! Vós que tudo podeis, ao menos enviai-me a vossa Mãe e o vosso Espírito de consolação, para que Ele me dê a vossa paz e a vossa Mãe me ajude a suportar as dores».

Que belo é ser como Jesus, em Quem Jean-Thierry sempre se confiava, dizendo-lhe:

Tu,
tu estás sempre comigo,
quando o meu coração me falha diante do pobre,
quando o leproso me faz chorar,
quando o doente me consterna,
quando a prostituta se compadece de mim,
quando a morte de um ente querido me magoa.

Ontem, Senhor,
procurava-te nos homens do meu sangue,
naqueles que me amavam.
Hoje, Senhor,
és tu que eu encontro,
nos estranhos,
nos estrangeiros,
naqueles que me odeiam.

O teu amor grita mais alto que o sangue.
O teu amor arde em mim,
eu sinto-o.

ORAÇÃO

Jesus,
aspirar ao sacerdócio não é algo que se possa escolher,
como se escolhe outra coisa.
É um chamamento.
És Tu que colocas no coração do jovem
o desejo de ser outro Jesus sobre a terra,
um Teu embaixador neste mundo.
Que grande dignidade e que grande responsabilidade
em procurar ser fiel a tão grande dom!
Mas sei, Jesus, que também o sacerdote é frágil,
e é em vasos de barro que traz o tesouro dos Teus mistérios,
como dizia São Paulo.
Por isso, Jesus, hoje, rezo pelos Teus sacerdotes,
pelos que têm a missão de consagrar o pão e o vinho
dando ao mundo o Teu Corpo e o Teu Sangue,
por todos os que celebram os Sacramentos.
Jesus, hoje, rezo pelos Teus sacerdotes,
para que tragam ao mundo o bom odor de Cristo.
Virgem Maria, eles são Teus filhos:
mostra-Te sempre sua Mãe!
Assim seja.