Frei João Costa, OCD
1. Ressuscitou o Senhor!
Prometeu e cumpriu, mesmo se ninguém O esperava. Veio da escuridão das regiões mortais, onde, morto, O deixaram, para trazer luz à escura noite onde os amigos cambaleavam assustados. Afinal, Ele é a luz primeira e eterna, a que promete e cumpre. Veio, pois, porque é promessa de vir e veio e vem. E virá sempre até ao fim.
Mesmo sem esperarmos, sem querermos nem podermos, é Páscoa – e tal não depende de nós. É óbvio. Levantou-se do sono do túmulo e esplendeu belo e vivente no meio de nós. O Vencedor é o Senhor. Ele é senhor da vitória e servidor dum povo assustado de morte, porque quer fazer de cada um de nós um vencedor. Cruelmente degolado e morto foi o Cordeiro; mas ressuscitou Leão, cujo rugido atemoriza e afasta os inimigos da luz. Agora não mais lágrimas, não mais dor, não mais dúvidas entre nós. Assim como o sol invencível brilha, mesmo de Inverno por sobre as nuvens, assim a luz da ressurreição impera sobre a dura lei da morte! É Nele que vencemos, e mesmo que tenhamos iniciado em cinzas, terminamos em fogo!
2. Conta o livro do Êxodo que durante o tempo da longa peregrinação pelo deserto, desde a escravidão do Egipto até à terra da promessa, onde se come o pão da liberdade e da fraternidade, o Libertador sempre esteve com o Seu povo. Durante aquela passagem para as eiras e as mesas da liberdade, a fim de demonstrar a Sua presença, o Senhor servia-se duma coluna de fogo e duma coluna de nuvem.
Quando a coluna de Deus avançava, o povo recolhia o acampamento e seguia-O sem desanimar; mas se a coluna parava, o povo parava e montava, novamente, pacientemente, o acampamento. E se era noite e era para caminhar, a presença de Deus era luminosa e encorajadora, e o povo caminhava à Sua luz. Mas se era de dia e era necessário caminhar à luz do dia, então a coluna era penumbrosa e consoladora como nuvem que protege do sol abrasador.
Fora noite, fora dia, sempre o Senhor estava com o Seu povo, para o animar e o proteger, para o guiar e consolar. E sinal dessa Presença era a bendita coluna de fogo ou a nuvem do Senhor.
Uma coisa é certa, jamais o povo duvidava da presença de Deus junto de si porque, grandes e pequenos, homens e mulheres, jovens, donzelas e velhinhos viam a Presença no meio deles em todos os momentos das suas vidas – Deus era, afinal, o centro da vida do acampamento, a luz e a vida do Seu povo!
3. Como quão bela é a noite de Páscoa! Lá fora é noite; cá dentro, luz! A esperança cumpre-se na noite vencida pela Coluna de Fogo que, passando passa pelo nosso meio, e rasga as escuridões do universo, iluminando por inteiro cada carquilha dos nossos corações.
Também ontem à noite nos iluminou o Círio Pascal! Estando todos reunidos em assembleia, pre‑sentimos e vimos em nosso duro escuro e doloroso hoje a Presença luminosa do nosso Deus bem presente no meio de nós – não, Ele não nos deixa, não nos deixou, nem deixará jamais sós em nossas duras lágrimas e escuras depressões. Estando, pois, reunidos todos em vigília pascal, no início de tão feliz celebração o celebrante bendizeu o Fogo Novo e logo a Coluna de Fogo esplandeceu diante do olhar dos nossos corações e depois, indomável e invencível, passou por entre nós para nos aquecer, nos purificar e guiar a cada um e a cada uma, e a todos nós, até aos serenos alvores da ressurreição!
Daquele Fogo Novo que passou pelo meio de nós soltaram-se aqui e ali pequenas chamas que incendiaram, um em pós outro, os nossos pequenos círios de irmãos e irmãs, que é como quem diz, todos ali reacendemos e reaquecemos cada uma das nossas vidas naquela Chama Ardente que jamais morre, jamais murcha, que nem mesmo é vencida pelo mais terrível mal, a morte.
Ainda que esperados, sempre muito nos surpreendem os ritos palpitantes da vigília pascal, sobretudo aquele passar invicto do Círio Pascal pelo meio do seu povo às escuras. Sim, aquele singelo passar ventalha chamas e ateia incêndios nos olhos e corações por onde passa! O rito é, pois, algo digno de se ver: aceso o fogo, logo as chamas se ateiam aqui e ali, e além, e mais além e ao derredor de nós, em todos os lugares; e vão-se partindo e repartindo por igual, em todos os corações, porque o segredo é mesmo esse: o Fogo Novo só é verdadeiro se se der, repartindo-se, a fim de que ninguém morra com fome de luz, ninguém com fome de calor, ninguém com fome de fraternidade. Sim, sim, na noite de Páscoa repartimos entre todos o indómito Fogo Pascal como quem parte e reparte saborosas migalhas de pão. Sim, sim, repartimos, repartamos sempre o fogo todo para que ninguém fique na sombra, ninguém no medo, ninguém ao abandono, ninguém ao frio, ninguém no não, ninguém na dúvida, ninguém na traição, ninguém na desilusão; para que ninguém perca o caminho, ninguém fique para trás, ninguém se canse de caminhar. A ninguém faltem nunca brasas para cozer pão! Sim, sim, repartimos, repartamos luz como quem à mesa reparte pão de ló entre amigos, entre irmãos, porque nas durezas e agruras todos precisamos de algo doce, todos precisamos do fogo da alegria uns dos outros; e que jamais alguém fique soprando a chama de alguém; ninguém brilhe menos, ninguém mais, todos igual!
Todos brilhando e ardendo sem queimar, sem consumir-se!
Ontem éramos muitos os reunidos; todos incendiados em combustão, todos juntos; juntos e reunidos em fogueira para nos atearmos fogo uns aos outros; como fogo em palheiro, todos apegando e reacendendo a fé aos demais – ninguém separado de ninguém, para que jamais vento algum se permeasse entre nós e apagasse a vela mais vacilante, o pavio mais sem esperança de reacendimento.
De fogo aceso nas mãos erguidas, juntos caminhámos ontem à noite em honra de Cristo, o Ressuscitado de coração ardente, pois é Ele quem em cada manhã acende em nós o Fogo Novo e nos incendeia com o Chama do Seu amor e, uma e outra vez, nos envia mundo fora a incendiar…
4. Não esqueçamos jamais: na Noite do Aleluia reacende-se em nós e no meio de nós a Chama do Amor, a Coluna de Fogo do nosso Deus! Porque não nos quer jamais sós, Ele nos queimou e incendiou; e foi assim que no nosso coração começou a arder esse Fogo que, se não conseguimos guardar, também não conseguiremos esconder: aliás, se O guardássemos só para nós, prontamente, Ele se mirraria e apagaria, e caindo-nos das mãos, perder-se-ia em humilhante derrota.
Nós, cristãos, somos homens e mulheres de Fogo! Somos para arder, somos para incandescer! Somos para alumiar, somos para incendiar, dando luz e calor a quem ao lado esteja! Não reservemos o Fogo entre cinza com medo de O perdermos! Não o guardes jamais só para ti, com pena ou com medo de que a tua vela se gaste, desgaste e logo O percas! Que sim, se O guardares só para ti, perde-l’O-ás! Pega-o em tuas altas mãos e apega-O sem medo aos corações doridos e feridos, aos frios, mornos e vacilantes!
Ó tu, irmã e irmão, que nesta Páscoa te acendeste e te incendiaste com o Fogo Sagrado, ateia também tu o Fogo Novo a quem peregrina a teu lado, a quem vive no andar de cima, na primeira casa do bairro ou na última palhota! Se é teu filho, diz-lhe: – Filho trago-te o Fogo do Ressuscitado! Arde, meu Filho! Arde, aquece e alumia por onde teus passos te levarem e as tuas asas voarem! E o mesmo se é teu marido ou esposa, companheiro ou sobrinho, pai, mãe ou vizinho, amigo, amiga, ou peregrino circunstancial. Intima-os um a um para que vivam ardendo e incendiando outro alguém! Que ninguém arda só, que se só, apaga-se; que ninguém se queime só, porque nenhum só alumia a imensa e desesperançada noite do mundo. Afinal, o Ressuscitado passa por entre nós todos, para que no meio de todos nós se acabem os recantos escuros, todos os gelos, todas as dúvidas. Não; Ele não veio incendiar apenas a Pedro, mas a Pedro e a seus irmãos. E Pedro só é feliz quando todos, todos, todos juntos estivermos acesos e ardentes!
5. NOTA BREVE: Este texto foi escrito no Dia de Páscoa, o domingo da luminosa ressurreição. Na segunda-feira depois da missa, isto é, ainda em Dia de Páscoa, chegou-me a notícia da passagem de Francisco. Caído um apóstolo fiel, outro se erguerá como pastor bom para cada um e todos nós. Na terça-feira li nas redes o seu testamento espiritual; é este o seu começo: «Em nome da Santíssima Trindade. Amen. Sentindo que se aproxima o ocaso da minha vida terrena, e com viva esperança na Vida Eterna, desejo exprimir a minha vontade testamentária apenas no que respeita ao lugar da minha sepultura…».
Com viva esperança na vida eterna também eu sei e sinto que a sua chama não se apagou nem jamais se apagará. Esplenderá sempre – Deus lho concedeu e ele o mereceu para proveito dos que o seguimos.
Santo Subito, pois!