«[Este livro] Anima-nos na nossa jornada com Deus.»
A Noite Escura
Autor: Marc Foley, ocd
(Edições Carmelo, 2024. PVP 15,00€) Comprar o livro »
André Morais, ocd – Tradutor
- Ainda faz sentido falar da Noite Escura, hoje?
Parece-me que João da Cruz e «Noite Escura», na cabeça de muita gente, andam de mãos dadas. E ainda bem, porque foi efetivamente João da Cruz quem cunhou a expressão e quem dela melhor falou. No entanto, penso que se percebe mal o que é a Noite Escura. Associa-se Noite Escura a algo difícil, que custa horrores, um processo de dor e purificação. E é verdade que a Noite Escura tem tudo isso. Mas isso são as consequências segundas. O importante é perceber a que se refere, realmente, essa expressão. De forma simples, «Noite Escura», diz um processo de união com Deus. É verdade que vai ser um processo doloroso, é verdade que vai ser um processo confuso, que quem o padece não percebe o que se passa. Aliás, é por esse motivo que João da Cruz lhe chama Noite Escura: ainda que nos custe a assumir, no século XVI a noite era mesmo noite, não havia luzes como atualmente e quando a lua se escondia é que não se via mesmo nada. Ora, quem passa por este processo está sem luz nenhuma, está às escuras – na noite, portanto.
O interessante da Noite é que é noite por uma causa segunda. Podemos explicar assim: quando olhamos para o sol ele cega-nos. Mas tal não significa que o sol desapareceu. Não, o problema é nosso, que não temos capacidade para acolher tanta luz. Ora, na Noite acontece o mesmo: Deus quer unir-nos a Si, quer trazer-nos mais para Si. O problema é que o Homem não é capaz de acolher plenamente a grandeza de Deus. Quando Ele nos chama de uma forma mais intensa para Si não estamos aptos para O receber. Ora, é isto que causa a tristeza, a dificuldade e o drama da Noite: porque apesar de Deus estar presente, apesar de estar a amar e a encher a pessoa da Sua luz, o que a pessoa percebe é que Deus o abandonou, que vive numa Cruz perene e não tem luz nenhuma que a guie.
Mas o importante não são os efeitos da Noite. O importante é o que a Noite faz, o que ela realiza. E ela realiza a nossa união com Deus. Por isso, altero um pouco a pergunta: faz sentido que nos queiramos unir a Deus? Claro que sim! Para Ele fomos feitos, só se nos dermos todo a Ele encontraremos a plenitude pela qual o nosso coração aspira. Por isso faz sentido falar de Noite, porque Deus continua a querer-nos para Ele. - Qual é a atitude indispensável para se ler São João da Cruz?
Sempre sintonizei muito com São João da Cruz. Não sei dizer porquê… Ele é poeta, eu não sou; ele é muito ponderado e eu muito impulsivo; ele calmo, eu algo impaciente. Não deveria haver assim tanta sintonia. Mas a verdade é que há. E acho que há porque para ele, como para mim, o mais importante é Deus. Sempre percebi João da Cruz como sendo um filho desta radicalidade pela qual aspiro: só Deus é importante, Deus é tudo e perante Ele, tudo o resto tem pouca importância. Não que seja mau – que não é – mas Deus é melhor. Esta parece-me ser a chave de leitura para compreender João da Cruz: tudo nele, tudo nas suas obras está em função desta união com Deus, de nos darmos todos a Quem já se deu todo e por inteiro a nós. Se percebermos isto, então nada é difícil, nada é estranho, porque reconheceremos que estamos perante um enamorado por Deus. E todos sabemos que os enamorados só têm olhos para aqueles que amam. E é isto que João da Cruz quer fazer também connosco. - No acompanhamento espiritual, tal como o entende São João da Cruz, qual é o papel do psicólogo?
Se não leio mal João da Cruz, para ele o acompanhamento espiritual, e de uma forma particular o acompanhante, tem como missão ajudar a pessoa a descobrir por que caminho o Espírito Santo o leva. Ora, como diz São Paulo, o ser-humano é uma unidade de corpo-alma-espírito. Se é essa unidade, tal significa que o psicólogo também poderá ter uma missão nessa vertente. E isto porque os caminhos do Espírito revelam-se na pessoa, na sua integralidade, pelo que é importante compreender os mecanismos psicológicos do ser-humano para se poder atender melhor ao que o Espírito possa estar a querer dizer a cada um, percebendo e distinguindo o que é da componente psicológica e o que pertence à dimensão espiritual. - e… A quem recomendarias este livro?
Recomendaria este livro a todos quantos de verdade quiserem que Deus seja o seu tudo. E por um simples motivo: porque João nos vai mostrando o muito que nos falta fazer, dando-nos gás, não nos deixando ficar quietos e obrigando-nos a fazer o pouquinho que está ao nosso alcance para nos dispormos à ação de Deus. E Marc Foley, na sua linguagem atual e com a sua formação psicológica, ajuda-nos a desmistificar muita coisa e a animar-nos nessa jornada até Ele.