Armindo Vaz, OCD

Na linha de interpretação que há um mês dávamos da visita de Maria a Isabel, ela aparece como visita de Jesus ao seu povo pela mediação da mãe, envolvida neste mistério: é Deus a visitar o seu povo por meio de Jesus. Se Maria nasce no tempo da antiga aliança e morre na nova, a sua visita a Isabel pode simbolizar o diálogo entre o Novo Testamento e o Antigo, que incorporam o mesmo e único projeto salvador de Deus para a humanidade. Quando a nova aliança (representada por Jesus no seio de Maria) saúda a antiga (representada por João no seio de Isabel) e a completa, a antiga “salta de alegria”. A saudação de Maria a Isabel é a ligação definitiva da nova aliança à antiga. O significado dessa cena-charneira da história da salvação é determinante na viragem da antiga para a nova aliança. Foi percebido pela Isabel “cheia do Espírito Santo”: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre”. Assim o magnificat surge da mãe do Messias, primeira mãe da nova aliança, como resposta à mãe da última grande personagem da antiga aliança, que foi o arauto do Messias.

Se esta interpretação do relato tem fundamento, ficaria reforçada ao pensar que nos relatos da infância, com inumeráveis referências explícitas e implícitas, Lucas queria mostrar que Jesus veio dar cumprimento aos conteúdos humanos e religiosos do Antigo Testamento: veio cumprir o projeto de Deus para a humanidade e começou o cumprimento pleno já na conceção e no nascimento. Por isso, Isabel declara a Maria: “cumprir-se-ão até ao fim as coisas que te foram ditas da parte do Senhor”, isto é, as coisas ditas pelo ‘anjo da anunciação’, os acontecimentos e palavras relativas a Jesus enquanto realizador do desígnio divino já descrito no Antigo Testamento.

O relato completo deste encontro – que inclui o magnificat – encerra o lugar de Maria no quadro da história da salvação e todo o mistério das suas relações: a de Maria com a Palavra de Deus, a de Maria com o próprio Deus, a de Maria com Jesus, a de Maria com a outra mãe, a de Maria na sua maternidade, a de Maria na sua fé, a de Maria na sua obediente resposta à Palavra de Deus: “faça-se em mim”. Foram estas relações que suscitaram e fundamentaram a devoção a Maria ao longo das muitas “gerações que a proclamaram feliz/bem-aventurada”.

O relato põe-nos frente ao Mistério. De Nazaré, Maria levava para casa da parente a Palavra de Deus, que ia ganhando textura, nervos, sangue e vida no seu seio de mãe e que ela iria dar à luz como Mistério. Mas o relato também atravessa as ondas psicológicas, os nós e os laços das relações humanas e familiares. A saudação, a relação de bondade e de admiração ajudaram a descobrir o Mistério e inundavam de mistério a vida familiar e social. Para Lucas, o Mistério é Jesus que vinha escondido no seio de Maria. Mas revela o sentido das grandes e pequenas coisas da vida quotidiana, quando a lhes dá horizonte de salvação, como fez em Maria, que teve fé inquebrantável no Mistério que veio até ela: “feliz de ti que acreditaste…”. Impregnada da Palavra de Deus, Maria foi à pressa ter com a família. Estava habitada por Jesus: havia urgência em dar testemunho dele, em forma de evangelho, partilhando essa alegria na amizade com os mais íntimos, os familiares.

O de Isabel e o de Maria são dois cânticos cruzados, retrato da alma de duas mulheres grávidas, que partilham sentimentos de alegria e fecundidade, eco das relações pessoais e consagração de todos os encontros humanos. No relato da anunciação angélica o Mistério transcendente era vivido só por Maria. Agora, no episódio da visitação comunica esse Mistério à família, que o reconhece e louva. Na família, Isabel é a primeira pessoa das muitas “gerações que a proclamarão feliz”: “feliz de ti que acreditaste…”.

Significativa ligação: feliz porque acreditaste. Acreditar contribui para ser feliz. Tornou Maria ativa levando-a até à família. Exige valentia, pois o caminho da vida às vezes tem de ser feito no meio da noite, no deserto, com sabor a silêncio, nas bordas do absurdo e do sem-sentido. Maria é feliz porque acreditou na Palavra, que deu cores de beleza e de generosidade à vida! A sua fé sustentou a sua história: convidou-a a superar barreiras, na abertura a Deus, para que Ele escrevesse a sua história nela.

Enfim, estas duas figuras da infância de João Baptista e de Jesus, que são as respetivas mães que deram os seus filhos ao mundo, mantêm altos os valores e mantêm viva a essência da humanidade, aviltada e rebaixada por pessoas e grupos, começando logo pelos poderosos que, para manter o próprio poder e os seus interesses, mataram João e Jesus. Se o despotismo é pai da maldade, a humildade é mãe da bênção: “Bendita tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre”. A bênção, dizer e desejar bem, é a força de vida que vem do Alto e influencia a vida eficaz e positivamente. Declama a prevalência e a vitória do bem sobre o mal. Isabel e Maria, que só se gloriam da própria humildade (“quem sou eu para que venha a mim a mãe do meu Senhor?… olhou para a humildade da sua serva”), exalam e exaltam a bondade, a simplicidade e a alegria, fazendo acreditar que o futuro da humanidade não será de violência, guerra e vilipêndio da dignidade humana, mas será de solidariedade e compaixão. O encontro entre Maria e Isabel refunda e fecunda sinfonicamente a comunidade humana em vista da fraternidade universal.