Armindo Vaz, OCD

Há uma ideia que o católico português não apaga da memória: o mês de Maio cheira a flores, a Primavera, está esmaltado de papoilas nas encostas e de maias à beira dos caminhos. Mas também é de modo incontornável, desde a comercialização das festas, o mês em que cai «o dia da mãe», por ser o mês de Maria, Mãe de Jesus e Virgem de Fátima. Fixemos então o olhar na Mãe e nas mães do mundo.

Em Fátima, Maria passou de destinatária da Anunciação do anjo – que lhe comunicava o nascimento de um filho que era Filho de Deus – a anunciadora da boa nova aos pastores da serra d’Aire. Recebendo a Palavra na Anunciação e dando-lhe corpo no seio ao transfigurá-la em carne (“a Palavra fez-se carne e pôs a sua Morada entre nós”: Jo 1,14), Maria deu corpo à Presença divina na raça humana: fez acontecer definitivamente Deus connosco. A virgem da Anunciação era a virgem da escuta: um ícone de Maria a dialogar com a palavra de Deus simbolizada no anjo, ela que “guardava todas estas palavras, ponderando-as no seu coração” (Lc 2,19). Agora, há cem anos em Fátima, dialogando com os pastores, ponderou o sentido dos acontecimentos para o mundo, apelando à seriedade e à responsabilidade nas relações sociais. O anúncio do anjo aos pastores de que “tinha nascido um salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,8-20) foi retomado por Maria aos pastores de Fátima, também com a presença simbólica do anjo. Ao anunciar ela própria a palavra de Jesus, refrescou na memória humana o evangelho que pouco se lia.

Realmente, a Mestra do silêncio e da atenção à palavra de Deus, Maria de Fátima, não veio anunciar doutrina nem moral. Veio anunciar que é loucura matarmo-nos uns aos outros, em vez de nos amarmos uns aos outros. Falando no silêncio do coração dos pastores, a palavra da Mãe de Maio gritou ao mundo, mais alto do que as ‘distracções’ dos políticos, mais alto do que as mil vozes de agressões, violências, conflitos e guerras tramadas pela irresponsabilidade de governantes sem escrúpulos que sufocavam a voz do Filho. Tudo isso era altamente tóxico. Maria em Fátima anunciou claro a toda a gente, pelo amplificador de crianças, que prestassem atenção à boa notícia. Pediu conversão da mente à palavra do Filho e à bondade que ela proclama. Pediu oração, como necessidade de comunicar com o céu, como reconhecimento da urgência de fecundar a racionalidade com a concepção transcendente de ser humano. E pediu humanidade e amor que construísse a paz e a fraternidade universal. A mensagem da Senhora de Fátima, traduzida na linguagem simples dos pastores, sugeria em grande aos poderosos que o seu pensamento e acção deveriam centrar-se no bem e na protecção integrais do ser humano, na sua dignidade absoluta, intocável, inegociável – em vez de se centrarem nos próprios interesses, que, para se concretizarem, não olhavam ao número de vítimas a causar.

A palavra da Mãe não era anunciada entre os humanos pela primeira vez em Fátima. Porque assenta numa ideia superior de ser humano, da sua vocação e das razões por que vive, a sua voz já tinha ecoado nos céus de outras terras. É como se a Mãe não pudesse tolerar mais o desencanto de os filhos não terem percebido a significação da Palavra feita carne no «Filho primogénito» e de não terem assumido a responsabilidade de traduzir a palavra em linha com a acção do Filho. Que fizeram os filhos do dom do Pai ao mundo? “Tanto amou Deus o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito” (Jo 3,16). Que fizeram da sabedoria do Filho em fazer as opções certas, sempre a favor do ser humano? Que fizeram do compromisso do Filho com a vida humana, ele que a dignificou tanto ao ponto de “dar a sua vida voluntariamente” pelos irmãos (Jo 10,1-18)? Que fizeram do dom da liberdade, sujeitando-se e sujeitando outros a toda a espécie de escravidão? Que fizeram da preciosa dádiva da paz (“deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”: Jo 14,27), guerreando-se de forma obscena por interesses injustificáveis? A mãe tornou-se presente para refrescar a memória da palavra do Filho: “Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e haveis de consegui-lo” (Jo 15,7).

O amor de mãe da Virgem de Fátima e o amor das mães pelos seus filhos é o mesmo e é feito do mesmo tecido: é a imolação por eles até ao extremo sem esperar troco e é a dor de não poder sofrer em vez deles. Por isso S. Teresa de Lisieux pensava que Maria “é mais mãe do que rainha”. A Senhora da luz aparecia assim como preciosa guia da esperança humana.

Se depois de Maio deflagrarem incêndios florestais – mas porquê? – se vierem estonar as maias e os malmequeres da Primavera, será como se jovens virgens morressem sem justificação. E então como poderão considerar-se humanos e continuar a viver os responsáveis por essa monstruosidade inqualificável? Que amor das vítimas poderia suportar ou perdoar tal agressão? Para que serve, ó Mãe, tudo o que não seja amor, se só o amor pode abrir caminhos de felicidade imorredoura?