Irmã Sofia da Cruz, Carmelo de Aveiro
«Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele» (Lucas 10::33-34)
Meu querido irmão:
Impele-me o Espírito Santo a escrever-lhe para lhe dizer algo acerca do que eu entendo ser pão de vida eterna, na minha vocação.
Quando me faço pão da palavra para rezar com algum irmão, tenho por princípio assumir em mim a pessoa que tenho por diante, para poder partir da sua realidade e levá-la até Deus. Foi isso que certa vez aconteceu – tinha eu diante de mim um irmão muito débil e inconstante na fé, sem força interior, com um orgulho refinado muito grande que o fechava em si mesmo e o isolava. Uma auto-suficiência tremenda, que funcionava como defesa e segurança. Era muito inteligente e tinha muito medo de que descobrissem a sua verdade. Vivia um verdadeiro martírio dado à excessiva racionalidade acentuada pelo perfeccionismo e à falta de confiança em Deus.
Eu conhecia tudo isto, mas também conhecia que, para o dar a Deus, tinha que o fazer sair de si e lançá-lo na misericórdia divina que, constantemente, nos re-cria no amor. Entendia só poder chegar ao seu coração se assumisse a sua debilidade, fazendo-a minha e, desde aí, caminhasse até Deus. Para mim são as palavras de S. Paulo: «fiz-me tudo para todos a fim de alcançar alguns» são um mandamento. E então, assumi a sua debilidade, pus-me a seu lado e procurei fazê-lo entender como Deus, desde a minha imperfeição, me chama a uma vocação e a uma missão divina. E assim fui procurando lançá-lo na busca de Deus na sua vida, dando-lhe por base a minha. Dizia-lhe muitas coisas entre as quais esta: «sinto também o peso da minha pouca fé, da minha falta de esperança, do abandono confiante, o peso da minha condição de criatura… Quero o Pão do Pai, este pão que é vida divina! Encanta-me ver que quando Deus me estende a mão, nas minhas fragilidades, ouso aproximar-me do Coração trespassado levantado ao alto, como Ele se torna a minha fortaleza, como Ele se torna a minha humildade, como Ele se torna a minha pobreza, como Ele sacia a minha fome de vida com a Sua Vida. Emudeço ao sentir que um amor mais forte me sustenta até nos meus desvarios e me faz sempre ir mais longe, perdendo-me de mim e encontrando-me n’Ele».
Se o leitor ler o texto com esta chave, encontrará muitíssimos momentos de afirmação da minha fragilidade e do meu abrir-me a Deus. E lá fui eu assumindo a condição do meu irmão com todos as debilidades que conhecia e fui enumerando-as como minhas, para que o meu irmão me pudesse sentir como companheira do caminho da fé e se abrisse à presença de Deus. Queria que meu irmão visse que se em mim a graça de Deus não fora inútil, e não é inútil, nele também não seria.
Infelizmente o meu irmão não foi capaz de confiar em Deus e de se abandonar à sua acção. Mas foi capaz de reconhecer que eu não era aquela fragilidade que ali dizia. Para ele eu era uma mulher de grande fé e interpelava-o por isso. Com frequência ele mo dizia e olhava-me procurando ver o rosto de Deus que não conseguia ver!
Baixar-nos até à realidade do outro, assumir essa realidade como nossa, não é outra coisa senão o que faz o Bom Samaritano – pegou no homem meio morto, colocou-o na sua montada e levou-o ao estalajadeiro para que cuidasse dele.
Para mim ser pão de vida eterna é muitas vezes pegar na pessoa meia morta, tomá-la sobre os meus ombros e levá-la a Jesus com as suas feridas, para que Ele a cure. Isto é o que encontra nesse texto. «4Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. Nós o reputávamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado. 5Mas foi ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades.» (Isaías 53)
Com isto não quero fugir da minha condição de criatura pecadora, nem do pensamento que elaborou de mim a partir desta carta. Quero apenas ser fiel ao Espírito Santo.
Sei em quem acreditei e estou certa de que Ele levará por diante a obra a que me destinou, «esquecendo-me daquilo que está para trás e lançando-me para o que vem à frente, 14corro em direcção à meta, para o prémio a que Deus, lá do alto, nos chama em Cristo Jesus» (Filipenses 3).
Juntos damos graças a Deus por todos os seus benefícios e por o Espírito Santo me escolher e ensinar a ser pão de vida eterna para muitos.
Bendito seja o Senhor por tudo e para sempre!