Frei Francisco Maria Braguês, OCD
Eis-nos chegados ao mês de dezembro, ao mês em que publicaremos o último texto dedicado a Santa Teresinha neste ano jubilar que estamos a viver. Ao longo destes doze meses, procurámos olhar, contemplar, refletir, aprender e aprofundar a partir desta figura ímpar da história da Igreja e da sociedade.
No dia 15 de outubro, o Papa Francisco publicou uma Exortação Apostólica intitulada C’est la confiance, «sobre a Confiança no Amor Misericordioso de Deus». Também o Santo Padre quis marcar este ano jubilar com um texto do seu punho, onde sintetiza a profunda e riquíssima doutrina espiritual de Santa Teresinha a partir da tónica da confiança. A data escolhida é também especial. Não se trata de um dia relativo à pequena Teresinha, mas sim a Teresa de Jesus, ao dia em que a Igreja recorda essa grande mulher. O Papa explica: «Não quis publicar esta Exortação em nenhuma dessas datas, nem no dia da sua Memória, para que a mensagem se situe para lá dessas ocorrências e seja assumida como parte do tesouro espiritual da Igreja. A data da presente publicação, Memória de Santa Teresa de Ávila, quer apresentar Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face como fruto maduro da reforma do Carmelo e da espiritualidade da grande Santa espanhola» (C’est la confiance, 4).
O convite que faço ao leitor é, naturalmente, debruçar-se sobre este documento que merece a nossa leitura atenta. O Santo Padre aproxima-se de Santa Teresinha do Menino Jesus e lê-a com a clave da confiança, como o próprio título indica. C’est la confiance são palavras da própria Teresinha, dirigidas à Irmã Maria do Sagrado Coração, numa carta de 17 de setembro de 1896: «Só a confiança e nada mais do que a confiança deve conduzir-nos ao Amor». A jovem carmelita francesa compreendeu que a confiança é o caminho que nos conduz ao amor apaixonado de Deus e ao exercício do amor para com os nossos irmãos: «Não há outra via que devamos percorrer para ser conduzidos ao Amor que tudo dá. Com a confiança, a fonte da graça transborda na nossa vida, o Evangelho faz-se carne em nós e transforma-nos em canais de misericórdia para os irmãos» (C’est la confiance, 2).
O Papa Francisco recorda nesta Exortação os pontos centrais da doutrina espiritual de Santa Teresinha. Retoma o “pequeno caminho” da infância espiritual, já por nós abordado em crónicas anteriores: «Teresinha, porém, prefere sublinhar o primado da ação divina e convidar à plena confiança, tendo diante dos olhos o amor de Cristo que se nos deu até ao fim. […] Por isso, a atitude mais adequada é depositar a confiança do coração fora de nós mesmos, ou seja, na infinita misericórdia de Deus que ama sem limites e que deu tudo na Cruz de Jesus» (C’est la confiance, 19-20).
Esta confiança é provocadora do abandono, simbolicamente vertido na criança que adormece sem medo nos braços do pai. Teresinha incita-nos a vivermos sob o olhar deste Deus misericordioso, totalmente abandonados e confiados no seu abraço: «A confiança plena, que se torna abandono ao Amor, liberta-nos de cálculos obsessivos, da preocupação constante com o futuro, dos medos que tiram a paz. […] A verdade é que, se estamos nas mãos de um Pai que nos ama sem limites, venha o que vier havemos de o ultrapassar e, duma forma ou doutra, cumprir-se-á na nossa vida o seu projeto de amor e de plenitude» (C’est la confiance, 24).
Teresinha é, de facto, um fogo no meio da noite, para usar uma feliz expressão do Papa Francisco. A sua experiência de fé é mestra para nós e deve abrir o nosso coração para nos deixarmos iluminar por essa luz que nos vem do alto. Em tempos tão sombrios, onde as trevas parecem abafar a luz, Teresinha surge como astro que aponta para o Sol, para Aquele que, com a sua Páscoa, venceu as trevas da morte.
Santa Teresinha do Menino Jesus é bálsamo para o mundo e a sociedade de hoje: «Num momento de complexidade, ela pode ajudar-nos a redescobrir a simplicidade, o primado absoluto do amor, da confiança e do abandono, superando uma lógica legalista e moralista que enche a vida cristã de obrigações e preceitos e congela a alegria do Evangelho» (C’est la confiance, 52).
Teresinha continuará a ser uma inquietação para cada um de nós, uma chama ardente que queima os corações empedernidos dos nossos contemporâneos. Com ela, sejamos rosas belas perfumadas num mundo tão pálido. Sejamos fogo no meio da noite, anúncio profético do amor misericordioso de Deus.
* Publicado no jornal Diário do Minho de 3 dezembro 2023