Frei João Costa, OCD

Uma das razões pelas quais aos 2 do mês se escreve no DM sobre Santa Teresinha é por ela ser reconhecida, ainda hoje, como um expoente do ser mulher. Como a autoria deste texto é de um homem, perdoar-se-me-á a insurgência, já não tanto a ousadia que de tanto não se trata.

A história de Santa Teresinha continua a seduzir gerações em pós gerações. Quem não leu que leia a História de uma Alma, e verá que se verga à sua singeleza. Nos inícios da sua autobiografia conta ela uma pequena historieta sucedida na mais tenra infância; é mais ou menos assim: achou Leónia, a mais velha das irmãs, já ser grande demais para brincar com bonecas. Vai daí juntou tudo quanto tinha numa cesta: tesouras, fitas, botões, tecidos. E coroou tudo com a sua boneca. Achegou-se às duas mais novas, Celina e Teresa, e disse algo parecido com: «Queridas, escolham o que quiserem!». Celina retirou uma linda bola de lã que a atraía, Teresinha, a mais nova das duas, e de todas, de apenas dois anos, replicou sem cerimónia: «Eu escolho tudo!». E retirou-se com a cesta, as linhas, as agulhas, os alfinetes, a boneca e tudo o demais!

Tudo, tudo!, é o lema de Teresinha enquanto menina impulsiva; sê-lo-á enquanto jovem vibrante, e prevalecerá enquanto mulher. Exploremos neste texto três breves ensinamentos que no-la mostram como mulher relevante para os dias de hoje, e que bem podem ajudar todas as mulheres:

1. APRENDER A VALORIZAR-SE

É óbvio que a mulher é pelo que é, não pelo que lhe imponham ser, e menos ainda por emulação de modelos masculinos.

Volvidos 150 anos parece-nos impossível encontrar santa (ou pessoa) mais simpática que Teresinha. Não assim, porém. Na infância era ela absolutamente terrível, absolutamente impossível, absolutamente birrenta! Se algo não saía ao seu jeito atirava-se ao chão e berrava como uma perdida; é a mãe quem o confirma: «Havia momentos em que a birra era tão forte que ela perdia a respiração»! Porém, aquela Ivana terrível que a todos do seu entorno fazia bufar, ao crescer, aprendeu a arte da empatia logo após ter percebido que a vida tem contrariedades e pessoas difíceis em qualquer lugar – até nos conventos (portanto, ainda mais difíceis de evitar)! No mosteiro de Lisieux achou uma superiora que se deliciava em humilhá-la, mas a jovem carmelita – talvez por sempre ter sido difícil… – rapidamente aprendeu a arte de lidar com pessoas difíceis, tratando sempre de gerar empatia com elas. Pouco a pouco, tornou-se tão consciente do seu valor, pelo que por mais que a destratassem logo cuidava de deixar de dar importância à detração. E cuidando de se autovalorizar, trabalhava conscienciosa e silenciosamente sem jamais chamar a atenção, e toda se empenhava na sua autoestima e em só honrar a Deus. Sozinha, e por sua iniciativa, conseguiu deixar de valorizar as opiniões negativas a seu respeito, e passou a viver mais alegre, tão alegre e empática com as pessoas chatas e antipáticas que estas passaram a crer-se as mais estimadas pela jovenzinha! E não é que ao créscimo da sua empatia, estas nem sempre lhe devolviam um acrescento de simpatia?

2. VIVER FOCADA

As pessoas antipáticas despejam fel na própria comida e são ferozmente negativas; explique quem souber – talvez para que ninguém seja feliz à sua volta. Tão negativas são que, se em cargos de chefia, sempre encontram nos subalternos algo por onde pegar para lhes azedar o dia. E encontrando-o, certas ou não, empenham-se tão afincadamente nisso que logo o declaram com valor de decreto sem possibilidade de derrogação.

No Carmelo, Teresinha, sabemo-lo, elegeu quase desde a primeira hora, ser empática. Empática, não indolente, nem jamais antecipadamente derrotada. Tantas vezes se viu injustamente acusada; tantas vezes humilhada sem razão… E que fez ela? Fugir não fugiu, chorar não chorou, mas também não terçou armas nessa guerra. Se a chefia a acusava de preguiçosa ou de nada saber fazer, jamais ela pensou em contestar verbalmente a acusação para se defender, pois sabia de que nada valeria; decidiu, em consequência, calar-se e focar-se em fazer o seu trabalho o melhor que podia e, dia a dia, melhor que no anterior.

Um dia apareceu um vaso quebrado no mosteiro. A superiora que era velha não se vergou nem o recolheu, antes logo tratou de cruzar-se com Teresinha e de a acusar de ser desleixada e de não ter recolhido os cacos. A jovem que culpas não tinha, poderia ter contestado, arrolar testemunhas de que não passara por lá, mas preferiu calar-se… e como não importava nem a sua inocência, nem quem tivesse partido o vaso, e não assumindo ninguém a culpa, foi ela ao local e varreu-os para o lixo. Por que falar para defender-se, se mais valem as ações que as palavras?

3. SÓ VIVER DE AMOR

Mestra do nosso tempo, compreendeu que nunca resulta desperdiçar energias em vão, e pronto compreendeu também que o caminho do amor é o caminho certo, que o amor é a força invencível dos sem forças, que o amor é tudo. Compreendeu que o campo que sempre mais urge semear e cuidar é o coração humano porque é ali que se tomam as decisões que definem a vida. Compreendeu que nos abismos das fraquezas ou nos cumes da perfeição o mais importante é ter um coração aberto e disponível a Deus, para que Deus tudo faça e tudo transforme em Seu amor. Compreendeu, enfim, a força admirável da troca do tudo pelo tudo: que trocar o nosso tudo (que, na verdade, é nada) pelo tudo de Deus (que, na verdade, é Tudo) redunda em nosso favor.

Compreendeu que se nem sempre é fácil amar os amigos e até a própria família, já bem árdua e difícil é a ousadia de amar uma pessoa que parece não querer nem poder abrir-se à mudança. Em certa página Teresinha confia-nos a sua aversão natural – ou seria repulsa? – por determinada freira. E que fazer nessa situação? Amar. Amá-la. Teresinha escolheu amá-la, porque o amor é uma atitude, não um sentimento; e nessa opção nasceu uma das mais belas e inesquecíveis histórias de amor de sempre: um amor vitorioso, ainda que sem retorno, sem correspondência; diz: «eu tratava de prestar-lhe todos os serviços que podia. Quando sentia a tentação de contestá-la de maneira desagradável, limitava-me a dirigir-me a ela da maneira mais encantadora possível: com o meu sorriso».

Definitivamente, uma pessoa difícil só nos pode prejudicar se nós o permitirmos. Aliás, sempre há uma alternativa ao beco. Óbvio é que seja difícil ou pareça impossível, mas a sua escolha e o seu exemplo revelam-nos que até a pessoa mais antipática do mundo pode transformar-se. E se não se transformar, bondosos, para com ela, sejam os nossos olhos. E não é que aos olhos de Deus, vale mais um sacrifício que fazer milagres?

E fecha-se aqui este texto por mais não poder alongar-se. As leitoras hão-de perdoá-lo por mal escrito e pela sua menor assertividade. Mas antes que alguém bondoso mo atire à cara, o que aqui dito fica para as mulheres, vale, de igual, para os varões.

(A concluir propomos que ouça Vivre d’Amor: https://www.youtube.com/watch?v=n3kFfvBoZ4M . O poema é de Teresinha, a interpretação é desconhecida.)

* Publicado no jornal Diário do Minho de 2 setembro 2023