Irmã Sofia da Cruz, Carmelo de Aveiro

«Chegaram as núpcias do Cordeiro e a Sua Esposa está preparada» «Não quiseste oblações e holocaustos, mas formaste-me um corpo; então eu disse: «Eis que venho, ó Pai, para fazer a Tua vontade». «A Tua lei está no meu coração».

É no contexto de Aliança que sucede a ressurreição de Cristo. E depois da Ressurreição do Senhor Jesus estamos em Cristo, por isso pode Ele dizer-se em nós; ou melhor, Ele diz-se em nós como Eterno Vivente – Aquele que continua a viver a Sua própria vida em nós. «Quem me come viverá por mim, como o Pai me enviou vive e eu vivo pelo Pai» – tal é o testemunho com que o Ressuscitado faz de nós testemunhas da Sua Ressurreição.

A primeira coisa que Ele diz a cada um de nós é: Tu és meu/minha, e di-lo tão no íntimo do nosso ser que nos dá a certeza de que Ele assumiu a nossa existência como Sua para nos fazer viver como Ressuscitados. Podemos, por isso, procurar na nossa vida a Sua presença, a Sua passagem, e esperar que nos dirija a Sua Palavra divina para nos fazer entender a nossa história de salvação.

Quando encontramos estes momentos da presença de Cristo na nossa vida, verificamos que não fomos nós que vivemos – foi Ele que os viveu em nós, de tal forma que não são nossos, são Dele são presença divina em nós.

A segunda coisa que Ele nos diz é: «Eu Sou teu e Todo para Ti». Este «Todo» é a totalidade do mistério de Cristo como Homem e Deus, como Crucificado e Ressuscitado. Este dom é a misericórdia que Deus nos pode fazer. É o dom total do Esposo à esposa, é o dom da Aliança. A alma sente-se totalmente revestida pela misericórdia divina. Revestida de suavidade e glória.

A misericórdia é grande. Grande é de facto a manifestação do Ressuscitado como verdadeiro homem. Como homem Ele sofreu e morreu pelos nossos pecados/pelos meus pecados e agora vive de modo novo na dimensão do Deus vivo. Ele vem ao nosso encontro como verdadeiro homem, mas a partir de Deus. Ele vive de modo novo na comunhão com Deus e é assim que vem ao nosso encontro, como o Eterno Vivente, como a Fonte de Vida.

Escutar de novo a voz do Pai que diz: «Este é o meu Filho muito amado» e vê-lo vir ao nosso encontro como Homem é vislumbrar as entranhas de amor e misericórdia do Pai abertas para nós. Contemplar desde o Ressuscitado o homem que sofreu e morreu pelos meus pecados é reconhecer que Deus me cobriu com o Seu Manto de misericórdia para me fazer morar no Seu Amor.

A misericórdia está em fazer-me morar no Seu Amor, em fazer-me participar nesta re-edificação do Corpo de Cristo – do Templo que foi destruído na sua morte e reconstruído na sua ressurreição. É a força misteriosa da Criação Ressuscitada. A misericórdia está impregnada de grande doçura – isto é verdadeira justiça porque pela misericórdia Deus iguala-nos a Si. A misericórdia é o único que nos capacita para acolher a Deus na Sua Totalidade: «Eu Sou Teu e todo para Ti».

Com a Ressurreição de Jesus a Aliança alcança a Sua plenitude e a misericórdia revela-se como plenitude do dom da Aliança – porque é aí que o Senhor Ressuscitado nos diz: «Eu sou Teu e Todo para Ti».

Eu sou Teu e Todo para Ti – é o sacramento do Ressuscitado ao entrar em cada vida. Significa a posse do Eterno Vivente pela alma. A alma “sente na fé” que o Senhor lhe diz que por ela Ressuscitou. E se ressuscitou por Ela foi para se dar a Ela como Ressuscitado – para estabelecer com ela uma relação de troca de bens divinos.  

Este «Sou Teu e todo para Ti» podemos entendê-lo como mistério Dele vir ao nosso encontro e de se fazer encontrar por nós, como aconteceu com os discípulos:

Ele vem ao encontro – Sou Teu.

«Já amanhecera. Jesus estava de pé, na praia, mas os discípulos não sabiam que era Jesus. Jesus disse-lhes: ‘tendes algum peixe?’ Responderam-Lhe: ‘não’. Disse-lhes: ‘Lançai a rede à direita do barco e achareis’ (…) (Jo 21).

Dá-se de todo (na totalidade do seu ser de Crucificado e Ressuscitado) – Todo para Ti.

«Disse-lhes Jesus: “Vinde comer!” Nenhum dos discípulos ousava perguntar: “Quem és Tu?”, porque sabiam que era o Senhor. Jesus aproximou-se tomou o pão e distribuiu-o entre eles; e fez o mesmo com o peixe»  (Jo 21).

Sabiam que era o Senhor não pelo que viam, mas pelo que o seu coração lhes dizia; sabiam-no desde dentro. É um reconhecimento a partir de dentro que permanece sempre envolvido em mistério. Algo dentro nos faz conhecer que estamos na presença do Senhor.

«Sou Teu e Todo para Ti» na linguagem da Ressurreição significa: aparecer, falar e estar à mesa, isto é, despertar o olhar interior, aquecer o coração com o calor da Palavra que é vivificação da mesma pelo Espírito de Amor, estar à mesa que é comunhão de vida – comunhão de vida divina: a comunhão de vida é renovação da Nova Aliança.

A Nova Aliança une a Última Ceia de Jesus e esta nova refeição: Porque Ele se dá como alimento, fá-los participar na sua vida, na própria vida – é o que Ele diz a Pedro, já na Última Ceia ao afirmar: «Se não te lavar os pés não terás parte comigo», porque Ele lhe lava os pés, e Pedro deixa-se lavar, Pedro participa da Vida.

«O Senhor atrai novamente os discípulos para a Comunhão da Aliança conSigo e com o Deus Vivo. Fá-los participar na vida verdadeira, torna-nos a Eles próprios Vivos e tempera a sua vida com a participação na sua paixão, na força purificadora do seu sofrimento».

A nova comunhão com o Ressuscitado é uma comunhão de vida, uma comunhão que entra na história mas ultrapassa-a, porque se trata de acolher Deus na nossa vida de se abrir ao Ressuscitado e deixá-lo viver em nós.

«Sou Teu e todo para Ti», significa ainda o que Jesus diz aos seus discípulos: «Fazei isto em memória de mim». O “fazer memória”, o “ser memória” implica acolher-se de todo de Deus e acolher o Todo de Deus, de tal forma que seja o próprio Deus que faça memória de Si mesmo.  Jesus aproxima-se toma o pão que é a nossa vida, distribui-a como alimento de muitos. Sabemos que é o nosso ao partir do pão, porque vemos a nossa vida transformada na de Cristo e Cristo a entregar-se nela.

O facto do Ressuscitado nos fazer participar da Sua vida significa que nos introduz num dinamismo novo de vida que é a Nova Aliança, em que o Verbo como que volta a Encarnar. O mistério do Pai nos sustentar a vida é igual ao da geração do Verbo. É no Verbo que Ele nos sustenta a vida. Adoramos e participamos no mistério da pobreza do Pai, da Sua expropriação na geração do Verbo, quando nos acolhemos d’Ele.

«O Verbo se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória de Unigénito do Pai cheio de graça e Verdade». O “ver” a glória do unigénito do Pai significa ser introduzido no dinamismo de vida, de graça e verdade – o mesmo que Jesus afirma à samaritana: «Os verdadeiros adoradores são os que adoram em espírito e verdade». Isto é fruto do Ressuscitado que actua na nossa vida, mas como Deus Vivo e por isso faz obras de vida eterna.

* Esta é a segunda parte de um texto que, em contexto de verão, não pareceu bem à Autora se publicasse integralmente.