Armindo Vaz, OCD
Falando da ressurreição de Jesus, enquanto pessoas com formação e mentalidade tendencialmente racional (no bom sentido: as que vêm das Ciências, da Filosofia, da Biologia, da Genética ou da Engenharia…) gostariam de ver factos objectivos, fotografáveis, as mulheres que foram de madrugada ao sepulcro dele eram convidadas a ver o Invisível, o Ausente. A ausência, neste caso, era o coração e a verdade do Ser existente: era ‘o mais além do ser’, a transcendência divina que se impunha à imanência humana. Era a verdade do Jesus imediatamente ausente que se fazia mediatamente presente aos que o contemplavam misticamente e se impunha como na visão a olhos nus. Tal experiência mística de Jesus ressuscitado era a tomada de consciência do resplendor Espiritual da sua pessoa/corpo; iluminava a sua vida inteira a partir da morte na cruz do amor.
Portanto, comunicar verbalmente essa percepção mística era como configurar o invisível, o não tangível. Era como pintar um ícone que aspira a representar o que não é físico, a dar forma visual às coisas do espírito, a dar imagem ao divino. Tarefa nada fácil. Então os escritores do Novo Testamento, no limite da comunicação, adoptaram a arte literária metafórica, que conta com a aspiração dos humanos leitores ao transcendente…; arte representativa que também conta com a potência conotativa da metáfora mais usada para exprimir a ressurreição de Jesus, com o verbo grego (egeíro) nos seus dois sentidos: o acto de levantar-se ou elevar-se da posição de deitado no sepulcro e o acto de acordar do sono da morte. Esta metáfora da ressurreição sugere o sentido mais elevado, deixando o leitor enlevado no sentido que apontou: não fiquem a olhar para a letra do relato, olhem para o sentido dele. Opera uma transferência de sentido, com palavras que então não se regem pela lógica da linguagem da história factual mas pertencem a um domínio superior, fazendo ver Jesus a uma luz nova e permitindo contemplá-lo com traços que ficam escondidos à linguagem da simples história factual. A leveza da metáfora ‘dizia’ o que os historiadores não conseguiriam mostrar. É a linguagem da fé, não a linguagem de fazer história, porque a ressurreição, de Jesus e das pessoas, exige sempre um acto de fé: sem fé, ficaria privada de fundamento e do conteúdo escondido debaixo das palavras ou dos símbolos que a confessam. A historiografia até pode ser cientificamente bem feita. Mas, não apanhando o sentido interior e profundo dos factos por meio da introspecção, é inócua, incapaz de inaugurar algo novo, no pensamento e na existência. Ao invés, a linguagem metafórica, que gera o real superior, transforma realmente, remete a contemplação mística para o mistério do Jesus vivo na glória de Deus e para a sua divindade; e gera adesão à sua pessoa e à sua salvação como amor dado. Procura comunicar de alguma maneira o que os discípulos beneficiados pela experiência mística de Jesus Ressuscitado viam claramente, inquestionavelmente, incontestavelmente.
Não admira, pois, que o testemunho das mulheres madrugadoras, que anunciavam que Jesus estava vivo, tenha ocasionado reparos nos apóstolos e nos discípulos («algumas mulheres de entre nós deixaram-nos sobressaltados…: ao não encontrarem o seu corpo, vieram dizer que tinham tido a visão de uns anjos que diziam que ele estava vivo…; mas a ele não o viram»: Lc 24,22-24). Nem admira que os discípulos, depois da sua visão mística, fossem inicialmente olhados com desconfiança ou até com desdém pelos que queriam ver objectivamente (como o apóstolo Tomé) ou por respeitáveis mestres da academia de hoje. Os grandes literatos e os génios da produção artística religiosa (mas também os videntes de Fátima e outros) também foram submetidos a provas de verificação análogas. E os que entendem a ressurreição de Jesus à letra, como reanimação ou revivificação do corpo material, terão dificuldade em acreditar nela ou em explicá-la; e, se pensam à letra que o sepulcro estava fisicamente vazio, então logicamente terão de se perguntar para onde foi o cadáver do Jesus físico! Tudo indica, pois, que temos de compreender como imagética a linguagem do Novo Testamento sobre a ressurreição de Jesus. Há alternativa a esta compreensão?
O recurso a esta linguagem figurada por parte dos autores bíblicos atesta bem as dificuldades e as limitações da linguagem humana e da nossa capacidade de visualização para falar de Deus. Mas esta interpretação não põe em dúvida a fé em Jesus ressuscitado. Torna razoável a afirmação da fé, conjugando-a com a razão, e convida o crente a ultrapassar o vestíbulo do edifício da fé, como convida o não-crente a abrir as pregas do manto da linguagem. O desejo de ver em carne e osso, na veste da vida nova, o grande influenciador que tinha sido Jesus exerceu sempre e continuará a exercer um grande poder sobre o coração humano; como se essa desejada visão, física, fizesse voltar as pessoas ao glorioso tempo original em que multidões viam e podiam tocar Jesus! Mas esquecem que, mesmo então, seria precisa a fé, que faltou a muitos dos que o viam e tocavam e que, por isso, o crucificaram. Ingenuidade genial: de Jesus viram tudo sem se aperceberem de nada, do mistério que ele era. A ressurreição de Jesus e a esperança daqueles que crêem que ele “os ressuscitará no último dia” (Jo 6,40.44.54) escapam à visualização física e à possibilidade de formar uma imagem sobre elas; bem mais importante é que elas abram a pessoa para além de si mesma e gerem o definitivo, numa espécie de salto qualitativo que entreabre uma nova dimensão de ser humano. A Páscoa pode retirar-nos de zonas sombrias da nossa existência pessoal ou comunitária em que poderemos querer refugiar-nos. Um bom presente de Páscoa é a esperança libertadora.