Armindo Vaz, OCD

Nas férias, pensamos no melhor uso a dar ao breve tempo que elas duram e ao tempo que nos é dado passar na pousada da vida.

Do tempo de férias dirão: ‘Enquanto dura…, vida doçura! Quando acaba…, como te amava!’ Do tempo em geral dizem: Time is money. Então não o deixemos roubar: distracções, banalidades, murmurações, intrigas, mexericos e decisões erradas… são ladrões que não podemos levar à justiça dum tribunal. Não o podemos perder: é precioso. É um amigo que se dá todo: se por minha culpa o perder hoje, não o encontro amanhã: não volta mais. Nem vale a pena cantar-lhe: «Ó tempo, volta para trás! Traz-me tudo o que eu perdi…”. Da sua essência é ser irreversível. Até a filosofia pregava sobre ele: “A vontade nada pode sobre o que fica atrás de si. Não poder destruir o tempo nem a avidez devoradora do tempo: eis o fracasso mais solitário da vontade… Não poder o tempo voltar atrás, eis o que a enfurece. O facto consumado é o rochedo que ela não pode mover”: F. Nietzsche, Assim falava Zaratustra (Presença; Oeiras 2010) 165-166.

Mas ao filósofo responde com outra visão o teólogo (S. Paulo, Ef 5,15-16): “Vede atentamente como caminhais

[conduzis a vida]

, não como insensatos, mas como sábios, resgatando o tempo [kairón]”, isto é, comprando ou recuperando avidamente o tempo perdido, usando o que ele ainda oferece como ocasião oportuna, kairós, para a salvação. Paulo já tinha declarado: “Eis o que vos digo, irmãos: o tempo [kairós] é breve” (1Cor 7,29), o tempo oportuno à nossa disposição na carreira terrestre tem duração curta. É um convite a explorar cada ocasião que se nos oferece para ser integralmente felizes, para amar, para dar. Então o tempo é mais que dinheiro: é um tesouro a guardar bem, sem o malbaratar. Do ser sábio faz parte o sentido de oportunidade, sem dramatismo: horas desaproveitadas causam perdas irreparáveis. Os antigos aconselhavam: ‘Vive intensamente a hora presente, tendo sempre presente a última’. O sábio faz do tempo horas vivas.

O mesmo fez Jesus. Quando em parábolas (Mt 13,36-43) fala da “ceifa que é o fim do mundo”, parecendo ameaçar que “todos os que praticam a iniquidade serão lançados na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes”, não ameaça. Usa linguagem apocalíptica, figurativa. Nem descreve o que sucederá no fim dos tempos. Apela à boa vivência do tempo presente. Sugere que cada encontro com uma pessoa como oportunidade para fazer o bem é um «agora ou nunca». Não se repete. A mesma água não volta a passar debaixo da mesma ponte. “Vigiai, portanto, porque não sabeis nem o dia nem a hora” (Mt 25,13).

Quando alcançamos a maturidade, parece que, para os nossos sonhos e projectos, já é tarde. É verdade: relativamente ao dia em que nascemos o nosso hoje é sempre tarde. Porque trazemos dentro de nós um poeta, um jogador, um artista, um profissional, um herói que aspira a realizar-se e ainda se sente insatisfeito, podemos dar por nós a pensar: juventude do meu corpo, que longe me vais ficando! Mas Demóstenes disse: o tempo para tirar uma lição da história está sempre à mão dos sábios. E, para a fé cristã, em relação a Deus estamos sempre a tempo de recomeçar com fôlego renovado. Vivendo no amor eterno de Deus, hoje nunca é tarde de mais para acordar.

A isso ajudam as férias. Bem passadas, transportam-nos do tempo para o eterno. Aliás, o amor autêntico vivido no tempo quer e exige eternidade. As férias oferecem-nos uma degustação antecipada do «dolce far niente», o ócio mítico que dá real conteúdo a deliciosos sabores, a inebriantes sons e a suaves cores, que servem de enquadramento a conversações temperadas com néctar e ambrósia, palavras aprazíveis e infindáveis. O tempo pausado das férias é terapia pessoal para a experiência da fugacidade do ano de trabalho, do ano lectivo, do ano pastoral. É uma graça que retempera os restantes dias do ano civil com a sua força simbólica: é perfume que liberta a vida. Carrega as baterias com alento para os caminhos pedregosos percorridos ao longo do ano.

O gozo do tempo livre, tempo sem tempo, os dias de festa da aldeia, da vila, do concelho – como as celebrações em honra dos santos ao longo do ano – são o lugar onde o humano melhor se diz. Celebrar é o melhor viver, não tanto por causa da festança, do festim ou da festarola, mas pelo tempo festivo, que sublinha a importância da vida e acentua a alegria de viver. Quando as férias, além de outros banhos, são banhadas por boas leituras, pela conversação restauradora e pela oração silenciosa – palavras sem tempo a Deus a partir de dentro – sinto-me roçado pela alegria inextinguível: oiço o canto submisso da lira a salmodiar em uníssono com a natureza, música que toca o coração, melodia verdadeira que se reconhece mas que não se pode transcrever. “No abraço do homem interior que há em mim, brilha para a minha alma o que não ocupa lugar e… ressoa o que o tempo não rouba” (S. Agostinho, Confissões, X, 6, 8).

Enquanto vamos abrindo sulcos imperfeitos no terreno da vida e semeamos amores-perfeitos com os companheiros de viagem, o tempo faz que o amor cresça e perfume outras vidas. Tudo o tempo levou: menos o amor investido no que fomos fazendo e dando. Tudo o tempo leva: menos os nossos sonhos, carícias e afectos, a fé e a esperança que vira o vento ao contrário e o faz soprar a nosso favor. Do alto trono da transcendência, Deus olha para os jogos das marés e do mar, do sol e da areia dourada na praia de todos os que fazem férias, abençoando-as.