Armindo Vaz, OCD
A proclamação do Jubileu para 2025 na Igreja por parte do Papa Francisco insere-se na longa prática de celebrar um ano jubilar cada 25 anos, a partir de 1475, presidido por Sisto IV mas proclamado por Paulo II em 1470. Algumas celebrações jubilares tiveram o intervalo de 50 anos.
A prática de um jubileu vem da Bíblia. Aparece lá como uma instituição que explorava a ideia do descanso associado ao sábado, o dia sagrado da semana. Mandava que cada 50 anos, no seguimento de sete semanas (7×7 = 49) de anos, se deveria fazer repousar a terra, não a cultivando, e restituir os campos que tivessem sido arrendados ou vendidos desde o ano jubilar anterior; todas as propriedades urbanas deveriam ser devolvidas aos seus antigos proprietários ou aos seus herdeiros. Os escravos deviam ser resgatados e libertados. Jubileu deriva do hebraico yobel, originariamente “chifre de carneiro”, pelo latim da Vulgata, iubilaeus. Porque o chifre de carneiro era usado como trombeta para anunciar e iniciar o ano jubilar (e o anual «dia da expiação, Yom Kippur»), passou a designar também “jubileu, ano jubilar”. Assim se diz no texto fundamental que descreve o funcionamento do jubileu, no Levítico, capítulo 25,1.8-12): «O Senhor disse a Moisés no monte Sinai…: Contarás sete semanas de anos, sete vezes sete anos, de modo que as sete semanas de anos somarão quarenta e nove anos. No sétimo mês, no dia décimo do mês, farás ressoar fortemente o chifre [a trombeta/shofār]. No dia do grande Perdão [yôm kippur] fareis ressoar o chifre [a trombeta/shofār] em toda a vossa terra. Declarareis santo o ano cinquenta e proclamareis pelo país a libertação para todos os seus habitantes. Será para vós um jubileu [yobel]: voltará cada um de vós à sua propriedade e cada um voltará à sua família. Este ano cinquenta será para vós ano jubilar [yobel shenat]: Não semeareis, não colhereis do que cresce espontaneamente, nem vindimareis as vinhas que não foram podadas, porque é um jubileu [yobel], que será sagrado para vós. Comereis do campo o que ele produzir».
O jubileu era a grande oportunidade para restabelecer o bom relacionamento com Deus, com as pessoas e com a natureza, implicando a remissão de dívidas. Por isso, os primeiros tradutores da Bíblia hebraica (para o grego, desde o séc. III a.C.) traduziram o «ano do jubileu [yobel]» como «ano, símbolo da libertação/perdão» por excelência. Era a grande libertação, por motivos humanos e religiosos, um ano de liberdade, de festa, em que o povo se sentia voltar à condição de libertado por Deus. De facto, aparecia como instituição divina, palavra de Deus a Moisés para todo o povo (Lv 25,1).
Por isso, no evangelho de Lucas, que quer apresentar a vida de Jesus como obra de libertação universal para todos os que aderissem à sua mensagem, na página admirável que traz o seu discurso programático, colocado logo no início do seu ministério público (Lc 4,16-30), Jesus cita o profeta Isaías: «O Espírito do Senhor… enviou-me a proclamar aos prisioneiros a libertação…, a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano da graça do Senhor». Este «ano favorável do Senhor» refere-se ao ano do jubileu israelita. Sendo ele próprio a “proclamar o ano da graça do Senhor”, Jesus sugere que a sua missão é anunciar e comunicar o perdão de Deus a todos os povos, que não só ao povo de Israel. Citando assim as Escrituras, aparece a abrir o sentido delas. Vê na passagem de Isaías o seu próprio projecto de vida humana, que dava corpo ao projecto de Deus.
Na medida em que puxavam um futuro melhor e libertador para o presente, os profetas de Israel eram arautos de esperança para o seu povo, de uma esperança que não era espera passiva, com o desejo de que algo de bom acontecesse. Era uma esperança activa que fazia acontecer o bem e evitava o mal moral. A resposta a essa esperança, a fé bíblica – no ponto culminante da sua história – viu-a no sim e no amén de Deus concretizado na pessoa, na palavra e na obra salvadora de Jesus de Nazaré (2Cor 1,20). Sentiu que Deus dava o Filho à humanidade, dando assim provas de lhe ser fiel e a garantia de que a esperança não era vã. Na aparição de Jesus como Filho de Deus, a libertação sentida como promessa no Antigo Testamento irrompeu como o hoje de Deus, fiel a si próprio e aos humanos. A «feliz esperança e a gloriosa manifestação do nosso grande Deus e salvador Jesus Cristo» (Tito 2,13) mostrava o melhor conteúdo da esperança de Israel. Os cristãos celebram essa esperança tornada realidade muito especialmente nas festas do Natal.