Das múltiplas expressões da liberdade à exposição “Paula Rego – Histórias e segredos”, da análise do estado da União Europeia ao filme “S. Jorge”, são mais de duas dezenas os artigos incluídos na mais recente edição da revista “Brotéria – Cristianismo e cultura”.

 

Atualidade

Paulo Almeida Sande defende que a CEE, transformada 60 anos depois em União Europeia, «é bem o exemplo de como é possível aos seres humanos, quando usam a razão e exercitam a sabedoria, pôr de lado ódios antigos e resolver um problema velho como o tempo, a guerra, chaga aberta na memória de gerações que a sofreram e aviso sério às gerações vindouras: ou aprendem a lição ou, como avisou George Santayana, repetirão os erros e sofrerão as consequências».

No artigo «A União Europeia no limiar de um novo recomeço», o antigo diretor do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu observa que os «erros, as incompreensões e a distância entre os poderes europeus e os cidadãos» não podem levar a esquecer tudo o que a União proporcionou aos cidadãos.

«Solidariedade, subsidiariedade e flexibilidade para um novo recomeço são, sem dúvida, uma visão estratégica correta e eficaz», defende o economista, para quem o continente europeu só sobreviverá na «afirmação feliz dos seus valores, da paz e da prosperidade se os seus Estados souberem cooperar entre si, numa dimensão de integração tão profunda quanto o necessário».

Raquel Vaz-Pinto reflete sobre «A Ásia-Pacífico entre o conflito e o dinamismo», afirmando que «no continente mais heterogéneo do mundo há muito para seguir e ter em conta».

«Para além da relação bilateral entre a China e os EUA temos de olhar também para países como a Índia e o Japão», defende a investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, concluindo que a evolução da região «terá consequências globais».

“A Rússia, essa desconhecida…” é a reflexão apresentada por Guilherme d’Oliveira Martins, que salienta as «barreiras persistentes que fazem subsistir a incompreensão» entre o país e os países europeus.

«Pode dizer-se que a Rússia contemporânea é marcada pela história antiga que culmina na sua entrada no jogo europeu sob o condicionamento do grande território asiático», explica.

Para o administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, é «natural a persistência na desvalorização e no enfraquecimento da União Europeia, bem como a defesa do aprofundamento de desinteligências internas no seio da Aliança Atlântica. Deste modo, é essencial a atual ambiguidade na relação com os Estados Unidos, traduzida no apoio a Trump – ainda que haja desentendimentos, como no caso da Síria e da relação com Assad».

Tem-se verificado, «sobretudo por parte da União Europeia e dos membros da Aliança Atlântica, uma atitude de desvalorização da importância atual do que resta do império russo. Tal é imprudente e muito perigoso», adverte Guilherme d’Oliveira Martins.

 

Sociedade e política

Gonçalo Saraiva Martins debate “As novas fronteiras da liberdade de expressão”, defendendo que «os factos e a sua verificação deixaram de importar, relevando apenas a perceção que o destinatário tem deles. Neste contexto, é possível que duas pessoas estejam convencidas de verdades diametralmente opostas, acreditando sem hesitação ser a sua a correta».

«Não é fácil, pois, encontrar formas de controlo dos abusos à liberdade de expressão, seja porque isso não é compatível com o estado de Direito, seja porque ele é, na prática, impossível», sublinha.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica considera que é importante testar as «novas fronteiras como forma de preservar a liberdade de expressão, protegendo-a de uma utilização abusiva que, mo limite, acabará por conduzir à sua própria destruição. Importa recuperar o seu sentido originário – a transmissão de opiniões e convicções pessoais».

«Tudo isto seria mais simples se cada um de nós cultivasse o espírito livre e o sentido crítico, fazendo uso da liberdade de expressão para apoiar ou afastar essas opiniões e não para difundir factos acriticamente, os quais não possuem, em muitos casos, qualquer fundamento», finaliza.

Rodrigo Serra Lourenço comenta a recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a proibição de símbolos religiosos no trabalho: a decisão «considerou não ser discriminatória a proibição imposta por uma empresa belga aos seus trabalhadores de não ostentarem quaisquer símbolos religiosos» no espaço laboral, «abrindo a porta à legitimação dessa proibição».

«O papel da lei e dos tribunais, parece-nos, será criar condições para que estas restrições decorram da própria natureza das atividades em causa, e não de imposições de terceiros que, em regra, estão numa posição mais forte», um caminho que não se afigura fácil, assinala o jurista.

A proposta apresentada ao parlamento espanhol pelo partido “Podemos” de proibir a transmissão da missa na televisão pública é o objeto do texto de Tiago Duarte, que observa: «Assim vai a intolerância religiosa dos partidos que mais se tentam apropriar do princípio da tolerância. Tolerância para quem quer interromper a gravidez, tolerância para quem quer morrer através da eutanásia, mas intolerância total para quem quer ver a missa na TV».

A primeira transmissão da Eucaristia a seguir ao anúncio do “Podemos” «teve a maior audiência do dia de toda a televisão espanhola, triplicando as audiências anteriores», destaca o professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

«Fica sempre bem querer apropriar-se do Papa, como se fosse um “pin” que se coloca na lapela, mas quem acha que a missa – na sua essência – muda se for oficiada pelo Papa Francisco ou por qualquer outro padre é porque não percebe nada do que é a essência de uma missa e do milagre que em cada missa acontece», declara o advogado.

O P. Vasco Pinto Magalhães escreve sobre “O mito da liberdade individual”, começando por referir uma ideia «bastante primária» e «infantil»: «Enquanto estiver no meu território posso fazer o que me apetecer e só quando toco ou chego ao espaço do outro perco a liberdade».

Liberdade humana é «a capacidade adquirida de gerir bem, construtivamente, os condicionamentos». «Mais, é a capacidade de discernir e decidir, entre múltiplos condicionamentos, que vêm de dentro e de fora, e de várias alternativas, em ordem a escolher o que for melhor. Escolher o melhor é ser livre. Ou seja: escolher o mais humano para a pessoa sempre situada, entre pessoas e ocasiões, mesmo que isso exija renunciar ao meu apetecer, isso é a Liberdade.»

O religioso jesuíta e membro do Conselho de Direção e Redação da “Brotéria” salienta que «a libertação é o caminho necessário e difícil do egocentrismo ao altruísmo. Tarefa de todos». «Como nos poderemos ajudar a sair das escravidões da mentira e do pecado com a coragem da esperança que atravessa desertos? Encontrar caminhos pessoais para uma sociedade mais franca, mais justa com sentido e lugar para todos. Nada disso existe sem a certeza interior de que o bem vence o mal com escolhas que pedem a cada passo ponderação e renúncias», conclui.

 

Religião

“Espiritualidade e conduta perante o abuso” é a questão colocada pelo jesuíta Hans Zollner, que, entre outros assuntos, reflete sobre o ponto de vista das vítimas e o seu sofrimento, o estado e a formação dos padres e o saber lidar com a sexualidade, terminando com perguntas e desafios para as comunidades cristãs.

«Enquanto a Igreja se mantiver surda à voz e ao testemunho das vítimas – aqueles que conseguem percorrer este caminho de reconciliação, e aqueles que não o experimentaram – estará a ferir novamente não só os que sofreram às mãos dos representantes da Igreja, mas também não se abrirá à possibilidade de uma purificação interna através do reconhecimento da sua culpa, e excluirá aqueles que de modo especial se encontram ligados à Paixão de Jesus», frisa o membro da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores.

O jesuíta Francisco Martins escreve sobre a «interpretação das Escrituras na Igreja», alertando para «a tentação do literalismo» na leitura da Bíblia, que «faz mais mal que bem à causa da Palavra de Deus».

A visão católica preconiza, sobretudo para «os que falam do púlpito ou da cátedra», que estudem o texto, começando por «reconhecer que a Bíblia é literatura», e depois que discirnam a Palavra: «Nas linhas e entrelinhas do texto, é o rosto vivo do Deus da Aliança que se dá a conhecer, é o Mistério do Verbo incarnado que é anunciado, é a salvação que é eficazmente proclamada», destaca o estudante da Universidade Hebraica de Jerusalém.

 

Artes e letras

O primeiro texto desta secção, de que já demos conta na página da Pastoral da Cultura (cf. Artigos relacionados) evoca os 25 anos da morte do compositor Olivier Messiaen.

A obra “O outro pé da sereia” (2006), de Mia Couto, é analisada pelo jesuíta Manuel Ferreira, que pretende «publicitar um bom livro, recomendá-lo, dar dele um gostinho inicial e iniciante».

Trata-se de «um romance constituído por três excelentes estórias encaixadas, concêntricas», começado pela de uma «família nhúngwe (de Tete) de origem goesa, prosseguindo com a do missionário português D. Gonçalo da Silveira, da Companhia de Jesus, e terminando com a de um casal de estrangeiros.

«A ligar as três histórias entrelaçadas, temos, pois, aquela imagem, que, para os missionárias e Mwadia, era Nossa Senhora, e para Nsundi, era a deusa das águas, a sereia Kianda», explica o professor na Universidade Católica de Moçambique.

No “Caderno cultural” encontra-se a opinião sobre o filme “S. Jorge”, de Marco Martins, «estórias a cruzarem o documental», ao abordarem «um Portugal aprisionado na crise humana e financeira gerada pela “troika”», protagonizadas por Nuno Lopes, melhor ator na secção “Orizzonti” do Festival de Veneza 2016.

«Um dos elementos que alicerça a solidez» do filme «encontra-se na fase de pré-produção quando o realizador decidiu não partir de premissas teóricas, mas investigar a realidade vivida com as pessoas dos bairros da Bela Vista (em Setúbal) e da Jamaica (no Fogueteiro). Alguns dos habitantes foram incorporados no filme, na fase de rodagem, e os seus diálogos, em vários momentos, não são fruto de ficção», anota Carlos Capucho.

«”S. Jorge” dá conta de um país que sofre e vive o negrume de uma existência dilacerada, traduzido sabiamente nas cores escuras atiradas ao ecrã, na composição dos planos, no tipo de montagem que nos envolve no desempenho dos atores, profissionais ou não. Com personagens que entendemos até ao âmago porque nos são próximas. Em suma, um belo e negro filme que nos acorda para o que às vezes nos pode passar ao largo», conclui o especialista em Estudos Fílmicos, aposentado da Universidade Católica.

A exposição “Paula Rego – Histórias e segredos”, patente até 17 de setembro em Cascais, é observada por José Souto de Moura, que começa por traçar o percurso familiar e artístico da pintora, assinalando depois os espaços da mostra.

«Pessoa obviamente muito sensível, inteligente e insubmissa, Paula Rego revelou-se uma artista altamente dotada. Poderia ter optado por uma renúncia, que se traduziria no percurso convencional na época, de mulher, esposa e mãe. Ponto final. Não foi o caminho que seguiu, A arte dominou-a por completo e a sua vida não foi isenta, longe disso, de dificuldades, sofrimento, angústia até. Perguntei-me então que interrogações terão sido as dela, sobre o Sentido dos vários sentidos necessariamente precários que a atiravam sempre para a frente», finaliza.

A evocação do escritor medieval Boécio (Carlos Maria Bobone) e a «experiência única em Paris» com a ópera “Diálogo das Carmelitas”, de Bernanos e Poulenc (Diogo de Freitas Branco Pais) antecedem a secção das recensões, com obras no domínio da Biografia, Filosofia, História, Literatura e Psicologia.

 

Fonte: http://www.snpcultura.org/broteria_da_atualidade_as_arte_multiplas_perspetivas_cristas.html