Frei João Costa, OCD
1. Até os bispos estão a desconfinar. Lentamente, como o demais da sociedade.
Em razão da pandemia os nossos bispos não suspenderam a colegialidade, mas tiveram de adiar a via da sinodalidade da Igreja de Cristo que peregrina em Portugal, digo, adiaram-se alguns debates e reuniões. Adiou-se, por exemplo, a reunião em que se elegeu um novo Presidente da Conferência Episcopal, para os próximos três anos. A eleição recaiu, entretanto, no dia 16 de Junho, sobre D. José Ornelas, bispo de Setúbal.
Se aqui ressaltamos esta eleição é porque numa das suas primeiras entrevistas, investido já na qualidade de Presidente da CEP, D. José Ornelas disse em voz alta o que até agora, em Portugal, só se ouvia em voz baixa em algumas ante-sacristias: «Os países cristãos já não são os europeus»; «E nós [Portugal] já não somos um país cristão»! Creio que isto assustará a não poucos. A entrevistadora, aliás, retorquiu-lhe um «não?» tão apimentado de surpresa e incredulidade, que soou assim: «Não!?! Então as estatísticas enganam-nos?…».
Enganam quem quer ser enganado.
2. Sim, felizmente, em Portugal e na Europa, a nossa Igreja já não é polarizadora das vontades nem condicionadora da vida do comum das pessoas; hoje o fazer das sociedades ocidentais já não é pontificado pelo Evangelho — reconhecê-lo é pacificador e instaurador da possibilidade de uma nova esperança para um mundo novo. Por isso, hoje, em Portugal e na Europa, o espírito missionário de saída é tão urgente como entre os africanos, por exemplo.
Isto mete-nos medo? — Mete!, mas hoje, como também nas primeiras comunidades cristãs, havemos de manter o coração afinado e atento à voz do Espírito, porque Ele tem sempre algo novo a dizer-nos; e está disposto a dizê-lo também nesta hora, em que a Igreja em Portugal se assume como minoritária, pese embora as estatísticas.
Curiosamente, neste XII domingo escutamos no excerto do Evangelho de São Mateus, que se proclama nas nossas reuniões eucarísticas, uma parte do discurso que o Senhor dirige aos Apóstolos ao enviá-los em missão. Ora, se aqui queremos sublinhar aquelas palavras é por elas serem inspiradoras e orientadoras para o andar dos cristãos de todos os tempos, também para nós, os de hoje, por que sempre somos chamados a testemunhar a Boa Nova de Jesus na vida dos homens e mulheres de cada tempo.
3. Prometendo aos Doze a sua autoridade — «O que vos digo em segredo, dizei-o à luz do dia» — Jesus, instaura-nos também a nós como portadores da salvação do Reino, que tem de chegar aos famintos e enfermos, aos pobres e injustiçados. E além de nos enviar «como ovelhas para o meio de lobos» — Já não presidimos nem imperamos sobre mansas sociedades, não! — Jesus alerta-nos para a certeza de que ser-se portador do Evangelho não livra dos ardis e falsidades dos inimigos do bem, da verdade e da justiça, que presidem aos tribunais e se sentam nos tronos dos reinos!
O seguimento de Jesus é, pois, também hoje, um trilho de pedras afiadas, pelo que se levamos o Evangelho por autoestradas, em SUV bem acondicionados, não seguiremos bem o caminho do Mestre, que foi perseguido e injustiçado; e se o perseguiram a Ele, por que estaríamos nós acima do que Ele sofreu?
4. Seguir Jesus é revestirmo-nos de Jesus, e afeiçoar as costas à cruz; que no anúncio do Evangelho não há outro trilho nem feição.
5. No Evangelho deste domingo, prende-me mais a atenção, porém, a palavra «segredo». Então não é que as palavras de Jesus ditas por Ele em segredo, têm força de revolução?
Vejamos, com atenção:
Existem palavras, acções e milagres de Jesus ditos e realizados às claras — todos os puderam ver e todos os podem testemunhar; e existem palavras de Jesus que foram ditas no segredo, quero entender: na intimidade do grupo dos Apóstolos, junto ao ouvido do coração de cada um deles; porém, o dito ao ouvido, foi dito para vir a ser proclamado mais tarde sobre os telhados. Tais palavras ditas por Jesus em segredo não diferirão das já publicadas, mas contêm incisos e explicitações a que só eles tiveram acesso pela via da amizade e da intimidade com o Senhor. Urge-lhes, por isso, Jesus, que futuramente eles as digam às claras, publicamente, em todos os areópagos, e a todos sem excepção!
Uma coisa tenham por certa, porém: tal exercício de proclamação das palavras de Jesus que sanam e libertam, pode levar ao medo de quem as diz, porque os oficiais do medo, mais interessados em manter esquemas enfermiços e constrangedores, não lhes perdoarão que as digam e as proclamem!
Tenhamos nós, também por certo, aquilo que Paulo saboreou em sua vida (além das perseguições, claro): a Palavra é semente eficaz e fecunda, e não pode ser acorrentada por ninguém, por todo o tempo do mundo! Custe o que custar os confinados a viver na esconsez dos forrinhos hão-de alcançar ouvir as palavras de Jesus serem proclamadas sobre os telhados!
Mete-nos isto medo? Mete. E teremos de ser nós a dizer tais palavras? Temos. E de dizê-las a esta sociedade indiferente e pós-cristã?
Também temos de ser nós, sim, que outros não há! Podem os corações dos nossos contemporâneos restar refastelados, desagradecidos, ou desapercebidos das palavras que verdadeiramente regeneram, refundam e alimentam, porém, Jesus atira-nos continuamente para a missão, desafiando-nos a criar gestos novos e linguagens novas, que cheguem a tais corações adormilados!
6. Medo, qual medo? Tenhamos medo, isso sim, se guardarmos só para nós as palavras que Jesus nos disse ao coração, porque foram ditas no segredo, para serem proclamadas a fim de incendiarem corações e fazer sonhar um mundo novo!