Frei João Costa, OCD

I. IDA

– Pai, quem é aquele home que ali vai?
– Qual home, filho meu, de meu velho coração?
– Aquele cujo manso burrico alomba…
– Filho, esse homem Jesus é.
– O de Nazaré?
– Sim, esse é!
Homem bom e de boa palavra!
A mansa luz do seu olhar abençoa os meninos,
os seus ditos são doces e divinos,
e suas mãos como ninhos de pardais.
E não Lhe peçam mais,
que se Lho pedirem mais lhes dará,
pois foi Ele que nos deu tudo quanto há:
luz, água, grilos, montes bravios, campos sadios,
águias, mares e rios, lulas e tudo o demais;
monstros, gelos, neves e ventos arredios,
as estrelas bastas como a poeira,
as montanhas altas como o sol, a praia e a eira,
o mar, o deserto e o arrebol,
e, depois das durezas do inverno,
a gentil flor da amendoeira.

– E é só por isso, que ora O aclamam?
– Não, filho, não tenho isso por certo,
que ou muito me engano, ou o povo é incerto,
volúvel e sem memória,
e bem ignorante das Escrituras Sagradas,
e das letras da nossa história. A não ser assim
saberiam que Ele é o Princípio e o Fim,
a luz sem sombra, a ternura sem defeito,
a alvura sem mancha, e o amor perfeito!

– Então, pai, porque O aclamam e vitoriam
se não é nem rei nem general?
– Rei mortal não é, filho meu, antes, Deus imortal;
e general também não, nem seu serviçal.
Mas em breve coroa lhe darão,
debruada toda ela de duro ferrão.
É, como sabes, o pobre carpinteiro de Nazaré
cujas mãos amaciaram casqueiras de pinheiro
e corações de rude sobreiro.
Com palavras e gestos por inteiro,
falando e rezando, esbanjou salvação
por onde passou, e a gente se humildou.
Suas mãos tinham calos, seus cabelos, halos.
Seus mansos olhos eram fogueiras ardentes,
tochas que alumiam a noite de qualquer lugar,
de qualquer coração, qualquer mar.
Seu olhar são duas brancas pombas
que não distinguem os meninos,
o nobre filho do rico do do pobre;
é manso, e perdoa sem distinção
os pecados a quem faz a renunciação
ao mal, ao erro intencional e ao malquerer
de irmã ou de irmão de qualquer nação.

– Que coisas me dizes, meu pai,
e de quão difícil leitura e percepção elas são
ao olhar do meu coração!
E mais, que são aquelas raízes
que, parece, mas arrebatam ao peito?
– São espigas frescas e alecrim das nossas leiras
que o povo arranca e espalha pelo duro chão
manteando o caminho do Messias,
a fim de que as ternas patas da mansa burrinha
não arreceiem de levar Aquele que nos advém:
o Príncipe da paz, de olhar claro e luminoso!

– E as palmas que eles agitam?
– São vítores, meu filho, são vítores de vitória
e de paz, e hossanas de glória
em honra de Messias tão esperado,
de rei tão realmente desejado,
pois é Ele quem traz a paz à nação,
o único que não ousa quebrar a cana fendida
nem apagar a fumegante torcida.
Vê: consigo, Ele carrega a plenitude da luz,
da esperança, da justiça e das leis
e nos segue como pastor e manso cordeiro.

– E, afinal, que triunfo tão estranho é este, pai?
– Esta procissão que ora vês
é a de quem caminha para o sacrifício e a morte,
que o povo não lhe reserva melhor sorte.
Sabe, as palmas erguem-se aos reis,
mas estas não lhe são fiéis.
E O que agora monta o doce jumentinho,
cairá dentro de dias sob o peso do madeiro.
Agora, porém, meu filho menino, tu, segue-O,
que a ti a Ele te entrego!
Leva este ramalhete na mão,
esta pequena palma da fé, o mirto da oração
e as folhas do salgueiro,
porque em breve também tu te emudecerás.
Canta-lhe, agora, ao dorido coração como turíbulo feliz.
Brande, alegre e jubiloso, o ar no seu torno,
mas no fim não te esqueças e traze-mo
para que ele sempre me fale da sua humildade,
fidelidade e mansidão.

II. Volta

– Pai! Pai! Meu pai!…
– Meu filho, Yosef! Meu filho!
Meu filho pequenino, meu doce Abel,
que há uma semana te cuido perdido!
Jahvé – louvado seja Ele – te resguardou!
Meu filho, que para sempre perdido te julguei!
Teus irmãos te rebuscam p’la Cidade do Messias!
E se acaso não regressam
é porque por lá não te encontram!
Onde te meteste tu, meu filho?
Que te sucedeu, meu querido menino?

– Pai, abre-me teus braços santos,
abre-me teus braços, e abraça-me, pai,
por favor, pois sem ti me senti tão perdido!
E quem ao caminho deles me achegou
foi este manso burriquinho
que tem não sei quê de divino,
pois em todo o tempo me amparou!
– Ai, filho, esse burrico que trazes e te trouxe
é de nosso primo Eliézer!
Vamos, descansa, liberta o animal no nosso beiral
que, pronto, ao dono, o haveremos de devolver.
– Não, pai, deixa-me ficar com ele!
Somos co-irmãos,
que este foi o burrinho do Salvador!
– Vamos, descansa, filho!
Vai agora pra dentro consolar tua mãe, Lia,
que noite e dia chora e nada come,
por te julgar para sempre perdido!
Prestes Jahvé nos devolverá teus irmãos,
ou assim teu velho pai espera e crê,
que a nenhum de vós quero perder!

– Sim, sim, minha mãe, pronto, irei consolar,
mas agora, junto de ti, meu pai, quero ficar.
– Queres então, em meus braços adormecer?
– Não, meu pai, não quero, que grande já eu sou!
Teu filho, sim, eu sou, mas não mais menino!
É que eu vi o que nenhum home deveria ver:
a morte de seu Mestre, seu Deus e Salvador!

– Conta-me, pois, meu filho querido,
o que visto tu? Porque te não adormece a alma?
– Vi a Deus com meus olhos
montando um burrico de paz, vi-O caminhando
e tomando por discípulo um rapaz!
Vi-O chorando ao ver a Cidade Santa
que O não soube merecer!
– Ai, meu filho, estou a ver!
Definitivamente tu és um eleito do Altíssimo,
a quem foi dado ver o que nenhum século viu!
– Seja, meu querido pai!
Eu vi o Mestre a ensinar as multidões;
vi o Profeta a expulsar os vendilhões!
Vi o Messias, sozinho, a rezar no Monte
e a purificar o Templo com o Seu exemplo!
Vi-o quase caçado em ciladas e discussões,
e vi nossos chefes calados e perturbados
sem conseguir responder às suas razões!

– Tudo isso viste, meu filho?
– Tudo isso vi, meu pai!
– E como tanta certeza tens?
– Tudo vi claramente visto!
Vi, perto da Hora, que Ele me tomou pela mão
e me disse: «A ti, Yosef, te entrego este burrico
forte, meigo, manso e esperto,
que recolheu as palmas que eram para mim!
Toma-o, é teu, e a seu tempo te devolverá
a teu pai, Asher de Betânia!
E a ti mais te digo: Eu te constituo testigo
destes duros dias de contradição:
viste a figueira que secou?
Viste este povo que não se calou?
Não te cales tu também jamais,
e dize por aqui e por além o mais
que o Messias disse e fez!
Eis que, muitos esperaram ouvir e não ouviram,
esperam ver e não viram, nem bem nem mal!
Guarda-o para ti, que a seu tempo o dirás!».

– Filho meu, e que mais te disse o Messias?
– Que no 13 de Nisan seguisse o homem da bilha
até a sala de cima, onde a páscoa comeria
e o último vinho na terra Ele beberia!
No dia concertado, diligente, eu o segui,
e do cordeiro e ervas amargas comi.
Vi ainda Judas com a mão no seu prato,
e logo para a sombra, rápido sair o vi,
para o doce Mestre trair.
E mais não entendi, pois adormeci,
e por ali me aconchegou a Venturosa.
E quando inda o Fanfarrão não cria no perdão,
incansável, de novo vi depois a Chorosa,
a Lacrimosa, prestimosa a todos consolando,
como fonte santa do bem tão esperançado!
E feliz vi o dia primeiro, o da Ressurreição,
o da nova geração, o da inteira criação,
inundar todo o ar de luz, de paz e de bênção!