Selecção de textos bíblicos por Armindo Vaz, OCD
George Steiner, judeu, escritor, crítico literário, estudioso da literatura e da história das ideias, professor em várias universidades. Nascido em Paris, falecido aos 90 anos em Cambridge, Reino Unido, em Fevereiro de 2020, remata assim o artigo «Uma espécie de sobrevivente», escrito em 1965, publicado depois no livro Linguagem e silêncio: Ensaios sobre a literatura, a linguagem e o inumano:
«Não sou capaz de aceitar a ideia de ir viver para Israel. O Estado de Israel é, em certo sentido, um triste milagre. O programa sionista de Herzl é portador das marcas evidentes do nacionalismo ascendente dos finais do séc. XIX. Nascido da inumanidade e sob o signo do massacre iminente, Israel crispou-se como um punho cerrado. Não há sentimento nacional mais tenso do que o alimentado por um israelita. Assim tem de ser, se a estreita faixa de terra que é a sua pátria quiser sobreviver à alcateia que ameaça as suas fronteiras. O chauvinismo torna-se quase uma necessidade vital. Mas, ainda que a força de Israel cale fundo na consciência de cada judeu, ainda que a sobrevivência do povo judeu possa depender de Israel, o Estado-nação em armas continua a ser uma relíquia amarga, um absurdo num século em que seres humanos demasiado numerosos se apinham e atropelam… Por isso, há uns quantos que entendem ficar ao frio, fora do santuário do nacionalismo – embora este acabe por ser também o seu… Se, um dia, os meus filhos vierem a ler estas linhas e a boa sorte quiser que o façam em condições favoráveis, tudo isto talvez lhes pareça tão remoto como é já hoje para um grande número dos meus contemporâneos. Se as coisas se deteriorarem, talvez possam ajudá-los a recordar que já noutras circunstâncias a estupidez e a barbárie os escolheram como alvos. É a sua herança. Mais antiga, mais inalienável do que qualquer carta de nobreza.