Frei João Costa, OCD

1. A Páscoa e o mistério pascal são realidades tão densas — no mesmo mistério concentram-se a realidade da Morte, a da Ressurreição e a da Ascensão de Jesus, e ainda a descida do Espírito Santo — que os cristãos as separam celebrando-as separadamente. Três dias depois da Morte, a Ressurreição; quarenta dias depois da Ressurreição, a Ascensão; e cinquenta depois, a descida do Espírito Santo. A verdade, porém, é que as quatro realidades são o mesmo acontecimento — a Páscoa do Senhor. Hoje celebramos o Pentecostes, a festa do Senhor Ressuscitado dando à Igreja o seu Espírito, que é o Espírito do Pai.

2. O Mistério pascal cristão cuja celebração hoje encerramos é um conjunto de acontecimentos reais. Tais acontecimentos referem-se à Páscoa do Senhor e foram excepcionalmente traumatizantes para a comunidade dos seus discípulos e discípulas; tão traumatizantes que dificilmente se poderia infundir pior derrota a uma comunidade humana: se por um lado, todos O abandonaram, o que configura uma profunda rebeldia e traição ao Mestre de coração doce, por outro, atendendo ao modo violento e humilhante como Ele morreu, a Sua morte significou a decapitação das aspirações e sonhos mundanos dos discípulos, Pedro à cabeça.

E é que todos, todos, desde Judas a Pedro, todos tinham traído e abandonado o Mestre que por meses seguidos haviam jurado a pés juntos seguir até ao fim, acontecesse o que acontecesse. Ora, ao caírem em si e ao contemplarem a derrota que a Sua morte expunha, todos se penalizaram e decepcionaram, todos se acabrunharam e deprimiram numa negra depressão sem fundo. O que é compreensível…

3. Não existem no dicionário palavras que descrevam o negrume do consumatum est. Não existem em lugar algum sentimentos que sinalizem tal derrota. Não existe paleta com cores capazes de descrever tal amarga autoconsciência de traição. Dizer que as horas passadas no Cenáculo sem Jesus — as que decorreram entre a Sua morte e a Sua ressurreição — remarcam um cenário por demais brumoso, bafiento e depressivo é dizer muito pouco e quase nada.

4. Ora, que na tarde da Páscoa, o Senhor Jesus, o Ressuscitado, tenha atravessado as grossas paredes da sala de cima da Casa Escura e, ademais, atravessado também a escura e espessa noite da alma dos discípulos, é de todo inesperado e inaudito milagre!

Que na tarde do primeiro dia da semana, o Mestre em seu corpo glorioso, no qual, visíveis, se inscreviam os sinais da ignominiosa tragédia, se tenha manifestado aos discípulos configura, por sua vez, inesperada vitória; tão inesperada que eles demorarão a crer nela; tão inesperada que o júbilo não brotará espontâneo, mas contido; tão inesperada que o Ressuscitado houve de encher-se de toda a paciência e, sem se insinuar nem forçar, os acompanhará amorosa e pedagogicamente por cinquenta dias!

5. Celebramos hoje o Pentecostes, o término da celebração das festas pascais; sim, que se não pode existir Páscoa sem Ascensão gloriosa, também não pode existir sem se cumprir a promessa de Jesus de que nos entregaria o melhor de si mesmo, o Seu amor tão intenso como um fogo — o Espírito Santo!

6. Cantando a Páscoa e louvando o Ressuscitado, celebremos a Festa do Pentecostes na qual o acontecimento pascal se completa, visto que o dom do Espírito à Igreja é o cimo da caminhada pascal e o seu coroamento. A partir do Pentecostes começa a longa caminhada da comunidade cristã cheia do Espírito e, pelo Espírito, cheia de Cristo, que se faz interior a cada um de nós, tão amassado em nós que se torna mais íntimo a nós que a nossa própria intimidade!

7. Num texto dos ensinamentos de São João Crisóstomo aquele Padre da Igreja identifica o Espírito Santo com o perfume. Exclama ele mais ou menos assim: enquanto o perfume se encontrar fechado no frasco podes cheirá-lo por qualquer lado que seja que jamais aspirarás as suas fragâncias. Mas em caindo o frasco no chão logo se desfaz em mil pedaços, e então solta-se e expande-se o perfume por toda a casa e inunda todo o universo!

É isso a Páscoa de Jesus: ao romper-se o Seu corpo em Sexta-feira Santa rompeu-se o frasco que continha o bom perfume que é o Espírito Santo. Em rasgando-se o corpo do Senhor, a terra e o universo encheram-se do bom odor que O habitava, que o próprio do perfume é expandir-se e inebriar quem o cheira.

Sim, claro, já a trás o insinuei, esta experiência não é sensorial, nem intelectual, nem demonstrável, antes, convocando-nos para além dos sentidos, exige de nós uma adesão de fé. Mas que ao expandir-se o Perfume ele se agarra a nós, lá isso é verdade. Tal como também é verdade que corramos o que corramos, connosco arrastamos o Perfume colado à pele; também isso é verdade, sim. Sim, se sairmos fugindo mundo fora, venha o que vier, connosco levamos o Perfume, o que possibilita que ao nos cansarmos, Ele esteja lá para que, por fim, nos saciemos com a  abundância da sua alegria!