Armindo Vaz, OCD

Na Semana Maior da história e da fé cristã, quando o tempo celebrativo se dilata para podermos acompanhar, em casa, quase hora a hora, a última semana da vida de Jesus, alguém perguntará, também provocado pelo novo vírus destruidor: porquê Jesus se deixou morrer na cruz, quando tão facilmente teria podido evitar essa morte atroz? Bastaria fazer um acordo de não-beligerância com os poderes instituídos do tempo, que decidiam sobre a vida e a morte das pessoas incómodas! Bastaria – e seria tão fácil! – renunciar à exigência de justiça, bondade, compaixão, amor de cada um para com todos.

Jesus não quis morrer na cruz para se mostrar, mas para mostrar quanto Deus ama todas as pessoas, indistintamente das razões que elas dão para serem amadas: a razão de Deus para amar é o amor. Morrendo a perdoar e a mostrar amor dava razões às pessoas para sussurrarem: olhem como ele ama! Realmente assim ele mostrava-se solidário também nessa situação por que passam todos os humanos: a da morte. Como sofrendo o medo e a angústia perante a morte à vista quis estar comigo quando agora me aflijo diante da morte pandémica, morrendo quis estar comigo quando eu morrer: grande alívio! é a minha salvação! A nobreza do amor é a de total solidariedade, é estar onde está a pessoa amada, muito especialmente quando ela é atormentada pela dor, desejando mesmo tomar para si essa dor para que não sofra a pessoa amada. Foi isso o que Jesus fez: entrou no mistério da morte para tirar de lá as pessoas que ama e “para iluminar os que habitam nas trevas e na sombra da morte” (Lc 1,79). Aqui vem inevitavelmente à memória a poesia entranhável do convertido Paul Claudel: «O amor gerou a dor [levou à cruz] e a dor fez mais amor [também enquanto manifestado]». À volta destes dois pólos gira toda a vida humana (dor e amor): e para que o da dor faça sentido e entre no mistério da salvação da vida, terá de ser absorvido pelo do amor. A paixão de Jesus por amor é a prova real de um Deus apaixonado pelos humanos: essa é a lei da gravidade do seu existir. A cruz é o lugar onde o amor gritou mais alto e onde Deus mais se identificou com o amor. Lá, o amor foi tão intenso e copioso que transbordou para os que a ele aderem (pela fé) e se deixam contagiar por ele: “O amor é de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conheceu Deus; quem não ama não conheceu Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,7-8). Ou seja, na cruz ficou demonstrado o que é amor supremo. E para quem compreende e confessa esse amor, “Deus habita nele e ele em Deus” (1Jo 4,15), também nesta situação de impotência face à pandemia.

Perante este «excesso do amor», o que se espera não é “tapar o rosto para não vê-lo [o Desprezado e marginado, homem de dores, familiarizado com o sofrimento]” (Is 53,3). O que é suposto é contemplá-lo para entranhar e aprender a lição do amor e escutar o crucificado a segredar, também aos assustados com o demónio de hoje: «Eu amo-te». “Na hora da cruz…, neste amor que não se subtraiu à morte para me manifestar quanto me ama, é possível crer” (Papa Francisco, Lumen fidei, 16). Da contemplação de Jesus crucificado nasce o discípulo amado e amante.

Em Jesus o amor morreu, como morreu o filho do homem e Filho de Deus. Então, não deveria acabar tudo ali? Para a fé cristã, não. Ao morrer por amor, Jesus não estava sozinho: “inclinando a cabeça, entregou o Espírito” ao Pai (Jo 19,30), de quem o tinha recebido quando fora concebido no seio da mãe (Lc 1,35). O Espírito é precisamente o Amor do Pai, o Amor pessoal que liga o Pai ao Filho e com que o Pai ama o Filho. O Amor-Espírito com que Jesus amou e foi amado, unido ao do Pai, era tão sublime e tão poderoso que tirou Jesus da morte: “o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos” (Rm 8,11). Realmente, «Omnia vincit amor! O amor triunfa de tudo!» – já declamavam os clássicos latinos, noutro sentido (Virgílio, Bucólicas X, 69). O Espírito criador e vivificador do Pai fez passar Jesus directamente da morte para a vida nova sem fim, porque o Amor-Espírito do Pai é necessariamente amor eterno. Também o sugere a filosofia: “amar uma pessoa não é dizer-lhe implicitamente: tu, tu não morrerás?” (Tu ne mourras pas – livro do filósofo Gabriel Marcel).

Foi a esse acontecimento teológico que os discípulos chamaram ressurreição. Era a vitória da cruz e do amor: o amor na cruz provocou a ressurreição. Só o amor é credível e convincente. Só o amor consegue responder a outro amor e à morte por amor. Então só o amor desvela o mistério da ressurreição real de Jesus: realizada pelo Espírito do Pai, foi a resposta devida ao Filho. Foi a aprovação divina de tudo o que Jesus fez na sua vida e a consagração do sentido de uma vida e de uma morte dedicadas ao amor e à promoção do amor.