Armindo Vaz, OCD

Hoje em dia as pessoas têm dificuldade e até relutância em comprometer-se. A onda de contestação a ideias tradicionais põe a sociedade em movimento, à conquista de sempre novos valores. Mas a onda de contestação costuma ser pretexto para recusar valores que há 70 anos constituíam a base em que assentava a ‘palavra dada’, ponto de honra daqueles que por ela se comprometiam. Entre esses valores contava-se a família como primeira estrutura de acolhimento da vida humana, ninho acolhedor, protector e promotor dos que lá nasciam e lá se reuniam; contava-se também o exercício do amor humano em formas variadas e elevadas, com igualdade de direitos e direito à diferença; contavam-se ainda os direitos das crianças, factor do crescimento e aperfeiçoamento da sociedade, o respeito pela vida humana, etc. Dada a brutal evolução de ideias neste domínio, grande parte das pessoas sofreu «o choque do futuro», por não aguentarem a mudança brusca nas formas de vida social, na sociedade informática que também está a mudar a forma de se compreenderem a si próprias. Ao perderem referências tradicionais de vida, ao não saberem gerir a mudança, ficam num estado de imponderabilidade, em suspenso, sem saberem bem a que agarrar-se. Vivem – como diria o filósofo checo Milan Kundera – na «insustentável leveza do ser», que decorre de uma vida conduzida sob o tecto da liberdade descomprometida, a liberdade de ser sem pertencer. Enquanto o peso do ser se dá na liberdade comprometida com a vida por meio do amor às pessoas, a «leveza do ser» segue-se a um não-compromisso com as situações humanas (como fizeram o sacerdote e o levita na parábola bíblica do ‘bom samaritano’ – passam ao largo); a «leveza do ser» despe a vida de sentido, tornando-a tão leve que se esfuma e se esvai. O peso do compromisso é uma âncora que agarra a vida a uma forte razão de ser, como é a do amor. Porque amar significa renunciar à agressividade e a qualquer espécie de violência, o compromisso de uma pessoa com outra é um «convite à vida» em pleno, com as suas alegrias, contradições e mazelas.

Dentro desta atmosfera de grandes mudanças a nível social, pessoas comprometidas na família, na empresa de trabalho, na escola… pedem sabedoria para articular o que pode mudar com o que deve permanecer. A humanidade da Bíblia abre caminhos a ambos os pedidos. Nela, o fundamento para qualquer compromisso humano é a aliança de Deus com um povo, tema que constitui o fio de ouro do tecido bíblico, segundo o qual Deus se revelou como o Deus com a pessoa e para a pessoa, se empenhou incondicionalmente a favor da pessoa, amando-a e mostrando-lhe como ser feliz. Ao fazerem um compromisso (no casamento, numa Ordem ou Congregação Religiosa, numa instituição…), as pessoas respondem ao compromisso/aliança de Deus: recebem o amor de Deus e deixam-se envolver por ele, acolhendo o projecto de Jesus, aquele em quem os compromissos de Deus para com a humanidade tiveram realização perfeita: “Deus é testemunha de que a nossa palavra dirigida a vós não é um ambíguo ‘sim’ e ‘não’; pois o Filho de Deus, Jesus Cristo… não foi um ambíguo ‘sim’ e ‘não’ mas unicamente um ‘sim’. Nele todas as promessas de Deus se tornaram ‘sim’ e é por isso que, graças a ele, nós podemos dizer ‘amen’ para glória de Deus” (2Cor 1,18-20).

O compromisso que se recorda ou renova numa instituição refresca a ‘palavra dada’. Porque é palavra de honra, converte a palavra em acção, converte a promessa em realização. E é fundamento para grandes realizações. Realmente, comprometer-se com a excelência dá qualidade à vida da pessoa, independentemente do campo em que ela trabalhar. Se não se compromete com a excelência, pode cair na mediocridade. Muita gente fracassa, não por falta de desejo mas por falta de compromisso. O desejo põe-nos em movimento; mas o compromisso é que assegura o movimento. E, sem o compromisso, falta a profundidade. Aliás, o compromisso é fundamental para os desafios que a vida põe: se estamos indecisos, procuramos uma escapatória; se assumimos compromissos, procuramos soluções.

Seja humano, seja religioso, o ‘compromisso’ não tem propriamente carácter moral ou jurídico (mesmo que fique assinado um papel selado em que a pessoa se compromete a ter determinado comportamento). É antes um selo espiritual, no amor gratuito de Deus, demonstrado por Jesus especialmente na cruz. O compromisso envolve a pessoa nesse acto de amor imolado, leva a acolhê-lo e a beneficiar dele.

Também Maria, a mãe de Jesus, deixou que se realizasse em si o projecto de Deus para ela: “faça-se em mim segundo a tua Palavra”. Ela continua a dizer aos que se comprometem com outros: “fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5). E Jesus diz: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34; 15,12). Segundo o evangelho, as relações fecundadas pelo compromisso tornam responsáveis as pessoas relacionadas, pois são relações de serviço, de entrega, de lealdade, de doação ao outro e por ele. O compromisso é a ponte que liga a coragem com a ousadia para superar os obstáculos da vida. E liga a bondade à constância para fazer por amor o que não se faria por obrigação.