Armindo Vaz, OCD

Que há a festejar no dia 1 de Maio? O trabalho? Ou o emprego? O trabalho é para idealizar ou para escrever com maiúscula? É que anda meio mundo em busca de emprego, mas depois parece não gostar do trabalho. Se gostasse, não faria tantas greves, impostas com ou sem razão. Gosta-se de ter emprego, não de ter trabalho. É compreensível. Já para os gregos antigos, ele era uma pena, um fardo, um peso, porventura um mal necessário. E acerca de certos trabalhos põe-se a questão: são valor ou instrumento? Instrumento de pressões, injustiças, violência, ditaduras…, dos dadores e dos prestadores de trabalho. Certos trabalhos de hoje, especialmente os que usam novas tecnologias alienantes com ritmos frenéticos, desumanizam. No Japão progressista em termos de trabalho, jovens raparigas estão a suicidar-se por não aguentarem os ritmos vertiginosos do trabalho. Erigido em ideal absoluto de vida, é um embuste. Se fosse assim tão bom, os trabalhadores não exigiriam ser mais bem pagos. A ignóbil palavra que encimava os campos de extermínio nazi – «Arbeit macht frei»: «O trabalho torna [a pessoa] livre» – na realidade abria o caminho para a escravidão e para a morte.

Então, porquê não dedicar antes uma festa ao Ócio, o outro pólo do trabalho? Os teóricos do lazer facilmente concordariam em trabalhar só o indispensável para viver. Poderíamos cultivar-nos mais, em vez de cultivar batatas. Mas, em contrapartida, levantava-se outra questão: que comeríamos então? Os livros que lemos, os filmes que vemos, os passeios que damos no tempo do ócio? Os camponeses sabem que sem trabalho nada cresce, a não ser ervas daninhas.

Como se vê, não é fácil lidar com o tema trabalho, em que toda a gente está envolvida. A Bíblia tem a sua forma de lidar com ele. Para o humanizar, contempla-o como criado por Deus. Entre as realidades concretas que integram a humana condição e a definem, a narrativa de criação divina inclui o trabalho. Como conta – pela fé – que Deus criou tudo o que o ser humano é e faz, também ‘explica’ o trabalho humano fazendo-o remontar à palavra criadora de Deus (Génesis 2-3). Sendo o trabalho já penoso, o narrador sublimava essa nota dizendo que foi atribuído por Deus aos humanos em forma de castigo de uma transgressão cometida pela Mulher e pelo Homem primordiais (simbolicamente representantes de toda a humanidade). Assim dava-lhe sentido de transcendência: ligava-o a Deus, meditava nele diante de Deus. Como pelo vestuário, pelo conhecimento, pela consciência de si próprio, pela linguagem articulada e pela capacidade de dar sentido ao sofrimento, também pelo trabalho distinguia o ser humano dos animais. Sugerindo que é por vontade de Deus que o ser humano trabalha, a palavra da fé bíblica aceitava o trabalho e dava o mais alto sentido ao seu valor inegável.

De facto, enquanto os animais pegam no que a natureza lhes oferece e trabalham obrigados pelo ser humano, este, trabalhando, domina e transforma a natureza (por vezes hostil) a seu proveito, arrancando-lhe aquilo de que precisa para viver. Transformando-a, torna-a habitável, dá-lhe rosto humano, dá-lhe o fulgor do acabado. E cresce e evolui ele próprio, procurando equilíbrios diferentes com as pessoas e com as coisas. Com o trabalho, humaniza o seu meio ambiente, humaniza-se e realiza-se a si próprio. Além do mais, o trabalho torna-se lugar de encontro, de entreajuda e de solidariedade com outros humanos, contribuindo para eles se tornarem sociais e sociáveis e para construírem a sua história (esta visão toca as raias do trabalho por amor). Na medida em que Génesis 2-3 define o humano como ser para o outro e com o outro, o trabalho também contribui para a sua identidade. Ajuda a descobrir e põe à prova a capacidade de nos superarmos a nós próprios. E transforma o talento em génio.

Assim, a palavra da narrativa sagrada oxigenava o trabalho: já não aparece negativamente marcado pelo estigma da escravidão. Não tritura, nem aliena o ser humano, como se só o tempo livre o realizasse e o trabalho o penalizasse. O trabalho só o desumaniza se for tomado como sentido último da sua condição. A palavra de criação em Génesis 2-3 sugere que, procurando o sentido último do trabalho, a pessoa é remetida para Deus. Esta visão do trabalho não esconde a sua vertente dura, cinzenta, às vezes átona e sem brilho; mas suaviza-a, desvelando a vertente positiva, cultural e pessoal como aquela que deve prevalecer. E até consegue injectar-lhe gosto e alegria. A título de exemplo, o verdadeiro professor, aquele que ensina a arte de pensar, viver e amar, distingue mal entre trabalho e lazer, entre aula de educação e recriação. Procura a excelência no que faz e deixa ao patrão ou ao Governo a distinção entre uma e a outra. Sebastião da Gama, modelo insuspeito de bom professor, diz que este deveria poder dizer: «Então a gente anda aqui tão feliz [a ensinar] e no fim do mês ainda nos dão dinheiro?» (Diário, p. 53 da edição 1962). Onde está hoje Sebastião da Gama?