Frei João Costa, OCD
1. Os dias estão mais e mais curtos: despertam mais tarde e a noite cai sobre nós mais cedo, o sol não aquece tanto e as árvores despem-se das folhas. Dentro em breve tudo o mais morrerá para renascer na primavera. Impossível, por isso, não pensar no fim, pois tal como caem as folhas sobre os passeios, cai o frio sobre nós. E fechamo-nos em casa. E não é só o frio e a chuva que nos encarceram em casa; temerosos também nos recluímos por causa da covide, com medo dos contágios que não param de crescer à nossa volta! Enfim, parece-nos que só estamos seguros no resguardo do lar. E presos ali e ali limitados a quatro paredes e ao teletrabalho, é, porém, impossível que, de quando em vez, não nos assaltem pensamentos sobre o dia em que também sobre nós descerá o véu do the end e seremos levados a julgamento diante do trono do Altíssimo.
2. Neste enclausuramento a que o inverno nos obriga e a que nos impele o medo ao novo coronavírus, dei por mim a lembrar-me da força transformadora da parábola do bicho da seda contada por Santa Teresa de Jesus.
Creio que nos fará bem meditá-la, nós que estamos a celebrar o último domingo do ano cristão, e nos aprestamos a iniciar um novo. (Havemos de notar que neste domingo o evangelho nos chama a juízo, não só aos enclausurados pelo medo e pelo inverno, mas a todos — a todos mesmo —, pois que o processo de transformação é caminho a que tarde ou cedo não escapamos, e sobre cujos frutos um dia prestaremos contas.)
Creio bem que este punhado de adversidades (ou potencialidades?) que nos cercam bem pode ser usado por Deus para mais nos atrair ao seu coração e nos transformar rumo à união total com Ele. Sim, o seu amor tudo pode. E mal estaríamos nós se o poder do amor não fosse transformante e capaz de nos oferecer um rumo para a liberdade, a beleza e a grandeza de Deus presente no comum das relações humanas do dia a dia.
Sobre a beleza de tal transformação a que todos estamos chamados, diz Santa Teresa no seu livro Castelo Interior:
3. «Eis como se cria a seda: Os ovos eclodem com o calor, quando começa a haver folhas nas amoreiras; então, esse bichinho que estivera como morto começa a viver. E quando crescem as folhas, cada verme alimenta-se e com a boquinha, vai fiando a seda, que tira de si mesmo. Tece um casulinho muito apertado, onde se encerra; então desaparece o verme, que é muito feio, e sai do mesmo casulo uma borboletinha branca, muito graciosa.»
4. Na parábola o bicho da sede cresce, vai duma situação de aparente não vida para a vida, e depois de ter crescido, começa a alimentar-se para, já adulto, fiar, com a boca, o casulo, onde se fecha, para de seguida abandoná-lo feito uma bela mariposilha branca.
A parábola de Santa Teresa de Jesus tem tudo o que poderá fazer destes dias de confinamento um poderoso movimento da graça divina em favor da humanidade: um bichinho (feio), um casulinho (confinamento), um processo de transformação (mariposilha branca). Creio que aqui está tudo, e nem faltam sequer as boas obras (o fio da seda) em favor dos demais!
Estes duros dias que nos toca viver, são, pois, uma graciosa oportunidade de radical transformação de bichinho feio em bela mariposilha branca, apesar de se apresentarem tão adversos pelo quanto transportam no ventre e que tanto nos assustam: infecções incontáveis, dor própria e alheia, e a tragédia da morte.
Assim são os santos: veem luz onde nós só vemos uma horrenda e dura noite escura. Aliás, talvez mais poeticamente, num curto verso, São João da Cruz, esperançadamente, declarou o mesmo, ao dizer: «Matando, morte em vida me tens trocado».
5. Sim, vivamos estes dias da era da covide com perspectiva de grandeza: algo no bichinho feio que somos tem de morrer no casulo das nossas moradas, para que passada a tribulação, a mariposilha que estamos chamados a ser, se liberte e se encante com a luz quente do sol e o perfume das flores!
Sejamos expectantemente positivos, portanto; desafiadoramente positivos. O que, porém, não nos livrará de termos de levar em conta que mesmo sendo uma mariposilha — e que beleza, que beleza se tal suceder ainda nesta terra de peregrinos! —, um dia vamos a contas com Deus. Sim, que de contas a prestar fala o evangelho deste último domingo do ano cristão. Então não é que no fim vamos todos, todos mesmo, a juízo? E que tal como um pastor sabe distinguir e separar cabras de ovelhas, assim também o Supremo Juiz saberá distinguir e apartar quem merece o prémio da vitória (os bons) e o prémio da abominação (os maus)!
6. Contemplemos neste último domingo do ano cristão a nossa vida desde o espelho da nossa fé: Jesus, que, sem condições, entregou a sua vida pela salvação de todos; e tenhamos, pois, por certo, que tal juízo sê-lo-á também para nós, claro. E, curiosamente, não será nem sobre o muito que acreditámos, nem sobre o muito que rezámos, nem sobre o muito que pensámos em Deus. Será antes sobre o que fizemos e sobre o que não fizemos aos mais pequeninos e aos frágeis. O que, pois, nos há-de salvar (transformando-nos definitivamente em mariposilhas brancas) será o bem feito aos mais pequeninos, que eles são no hoje da nossa vida o rosto e o corpo sofredor de Cristo: se vês um pobre vês a Cristo, pelo que serão, eles, os pobres, os teus juízes, no Juízo Final!
7. Sim, iremos a juízo, não tenhamos dúvidas; mas como disse um santo: se em tal juízo eu tivesse de escolher o juiz entre a minha mãe e Deus, eu escolheria sempre Deus!









