Armindo Vaz, OCD
«A essência do cristianismo é a contemplação do rosto do Deus crucificado» – disse o Cardeal Carlo Maria Martini. Na «palavra da cruz» (1Cor 1,18), isto é, no excesso do amor, procura e revelação de Deus acontecem simultaneamente, na morte do Filho, livre e voluntária: «O Filho de Deus amou-me e entregou-se a si mesmo por mim» (Gl 2,20); «Cristo morreu pelos nossos pecados» (1Cor 15,3). Jesus aceitou-a para ser a suprema manifestação do amor de Deus-Pai à humanidade: o amor do Pai revelava-se no acto de amor do Filho, aceite pelo Pai como redentor. Foi uma morte real, selada pela pedra tumular. Mas não a morte heróica de uma personagem dramática: o Novo Testamento afirma que o Jesus morto ressuscitou, isto é, que a sua morte se transformou em fonte de vida radicalmente nova pela força do Amor do Pai, que é o seu Espírito e também o Espírito de Jesus, «Espírito que dá vida» (1Cor 15,45): «o Espírito [do Pai] ressuscitou Jesus de entre os mortos» (Rm 8,11), dando-lhe a sua vida. O Pai tornou a morte do Filho por amor um certificado de garantia de vida para sempre. Esta relação íntima entende-se assim: Jesus estava na órbita do Amor do Pai, que é o seu Espírito. Ora, porque «o amor não acaba nunca» (1Cor 13,8), o Amor do Pai para com o Filho não podia acabar. Por isso, arrancou-o às garras da morte. Isso foi a ressurreição de Jesus.
Mas, que significa?
Os evangelhos não a descrevem graficamente a acontecer, em acção. Só descrevem o acontecido, o resultado da ressurreição: que os discípulos viram o Ressuscitado (1Cor 15,3-8). «Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor» (Jo 20,20). Maria Madalena diz: «Vi o Senhor» (Jo 20,11-18); «quando o viram [no monte], ajoelharam-se» (Mt 29,17). Viram-no também junto ao mar de Tiberíades (Jo 21,1-14); e mais vezes. Ora, tal visão – expressão duma fé adulta – é do género da visão do Ressuscitado que S. Paulo terá tido a caminho de Damasco (Gl 1,12.16; Act 9,3-18…). Tem as características de uma visão mística, no sentido mais forte e autêntico. Foi percepção da realidade mas não de factualidade física. Não se pode ter uma prova ou amostra tangível do momento da ressurreição, porque o acontecimento da ressurreição de Jesus não foi simplesmente real: foi super-real. Se fosse só visão real de Jesus no sentido de factual, então praticamente não se distinguiria da visão do Jesus histórico (como, se fosse só irreal, não passaria de uma fantasia vazia). Só a linguagem figurada (metafórica, simbólica…) podia sugerir o mistério para o qual apontava. A experiência da ressurreição de Jesus era uma elevação ou um levantamento do espírito; era perceber a força que vem do amor total expresso na cruz. De facto, a transformação interior da pessoa dos apóstolos por essa experiência – essa, sim, transformação histórica e palpável – certifica a presença de Jesus neles. Era uma verdadeira experiência mística, plenitude da fé no Jesus sentido como Filho de Deus, quando o Jesus terrestre e sensível tinha sido sepultado.
Era uma experiência que desorganizava a história programada dos discípulos. Eles não tinham compreendido o sentido da morte de Jesus. Para eles ainda era noite (Jo 20,1). A Madalena estava desorientada: «Tiraram o meu Senhor e não sei onde o puseram» (Jo 20,2.13). E os outros tiveram dificuldade em superar o escândalo da cruz: «Se não vir nas suas mãos o lugar dos pregos…, jamais acreditarei» (Jo 20,25). A sua fé carecia de uma nova etapa. Atingiram-na ao fazerem a experiência de Jesus vivo. A partir dela, os discípulos percebiam que Deus, respondendo ao ser humano que O procurava, se deixava encontrar no Filho feito carne, em quem tinha incarnado a plenitude do amor. Tendo Jesus morrido, não sabiam onde estava. E descobriram que estava definitivamente no Pai e entre os irmãos: «Vai aos meus irmãos e diz-lhes: Subo para o meu Pai e vosso Pai» (Jo 20,17). Daí em diante, a procura humana de Deus só podia ser resposta de amor ao amor que era primeiro (1Jo 4,10.19). Assim, o mistério pascal tornava-se confirmação e ponto culminante de todas as experiências místicas, que consistem em que o místico já não reza simplesmente mas ama, já não procura simplesmente Deus mas contempla-o em Jesus ressuscitado/vivo.
[a meditação continuará]