Armindo Vaz, OCD

Só recentemente na história da Igreja tivemos jubileus estritamente temáticos. O Papa Francisco quis que o jubileu extraordinário de 2015 celebrasse a misericórdia de Deus e que o jubileu ordinário de 2025 vivesse a esperança ao longo do ano. Continuamos, pois, a meditar nessa virtude, embora sempre insuficientemente.

De facto, a esperança não é das coisas que se digam e se acolham no espírito com brandura e com subterfúgios. Nem se deixa manejar com mão frouxa. Esperar ardentemente que chegue o dia de festa ou que amanhã te levantes com saúde, todos os deuses e humanos o podem anunciar sem manhas escondidas. Manter elevadas as esperanças de um país evitando que se envolva na guerra também parece razoavelmente fácil. Esperar que te vais sair bem nessa empresa difícil é razoável. Até a pretensão de comprar a esperança da glória – ou a esperança e a glória – a troco de sofrimentos continuaria a ser fácil. Já quando S. Paulo escreve aos Romanos que «fomos salvos na [vivendo em] esperança» (8,24), entramos no terreno em que ela dá que pensar, especialmente se pusermos essa afirmação em paralelo com a outra de Paulo: «fomos reconciliados com Deus pela morte do seu Filho…; seremos salvos na/pela sua vida» (Rm 5,10). Faz pensar, porque esse campo semântico bíblico – e religioso em geral – da “salvação” significa que a esperança, escorada pela vida e pela morte de Jesus por amor, quer dar resposta à procura pelo sentido último da existência humana. Muita gente questiona se a dá mesmo. Pelo menos, fica a perceber-se que a esperança como a fé cristã tem o seu centro e fundamento em Jesus. Assim o supõe o mesmo Paulo, que ao seu discípulo predilecto Timóteo fala com emoção de «Cristo Jesus, nossa esperança» (1Tim 1,1). A fé de Paulo em Jesus fundamenta nele a mais profunda esperança humana, embora também seja verdade, ao invés, que a esperança suporta a fé, pois só se acredita naquele em quem se confia: «Sei em quem confiei» (2Tim 1,12). Fé e esperança são duas faces da mesma medalha. Crer em Jesus como filho de Deus é viver em esperança. O cristão liga inextricavelmente a sua fé à esperança: «a fé é garantia das coisas que se esperam» (Heb 11,1).

Mas a esperança cristã será mais frutífera se mostrar um pouco do seu profundo conteúdo humano e espiritual (reconhecendo sempre a insuficiência da linguagem que o quer exprimir). O conteúdo é que dá razões para a sentir como indispensável. Desde logo, a verdadeira esperança – não a que espera que, mas a que espera em – torna possível o impossível. Espevita e traz até nós o que desejamos de mais profundo, intangível. Gera um mundo novo dentro de nós, renova-nos, afastando de nós o sentido do trágico. Não nos projecta para o mundo da quimera ou da utopia (que é o sem-lugar, aquilo que nunca acontece): faz-nos olhar para nós próprios tal como somos, radicalmente limitados. Ao fazer isso, a força da esperança é tal que, inflamada pelo amor, propicia a necessidade de superar os limites humanos congénitos, enfrentando dificuldades superiores a nós, também as provindas da perversidade. A esperança é uma exaltação da humanidade que em nós grita e exige a vitória da vida sobre a morte. Se a esperança é inerente ao ser humano, que já é só por si um corpo que espera, renunciar a ela significa a morte do Homem; significa ceder a uma visão fragmentária do mundo e da História e abdicar da procura do sentido último em tudo o que fazemos e nos fazem. A desesperança não é alternativa válida para a vida: é fracasso total do próprio ser. A esperança é o esforço total para ‘salvar’ o humano, humanizando-o. Pela esperança é que nos movemos.

Ora, tal esperança, que se revela com esta força e que coloca a pergunta pelo sentido último da vida, ao fim de contas terá de ser entendida, humildemente – na percepção de filósofos, teólogos e sociólogos da religião –, como um desafio a apostar na necessidade de abertura à transcendência. Terá de ser entendida como fé na existência de Deus e em Jesus como filho de Deus, embora sem acreditar no Deus tapa-buracos ou intervencionista mas só no Deus transcendente, mistério absoluto e Deus dos místicos, precisamente pelo que Jesus revelou sobre Ele (e assim voltamos ao pensamento inicial). Quando Jesus assegura «Eu sou o pão vivo, o que desceu do céu…; quem comer deste pão viverá para sempre» (Jo 6,33.41.47-51; 11,25-26), mostra como a fraqueza humana em busca de superação encontra na esperança uma aliada destemida. É essa lógica que torna o esperançado maior do que ele próprio. A esperança que Jesus dá é um elogio à vida humana, na medida em que é capaz de superar os seus limites e até a desumanidade e a barbárie, como a que o matou. Pela esperança que Jesus funda, o cristão não se reconcilia com o limite da morte: crê, por cima de tudo, na vida e na vida para sempre. Mas – mais importante –, ao abrir o horizonte para além da morte, a esperança transforma a vida humana aquém da morte, dando como presente o que se espera como futuro, puxando o futuro para o presente e mudando assim o presente: «Quem tem esperança vive de modo diferente; foi-lhe dada uma vida nova» (Bento XVI, Spe salvi, 2), que muda o modo de ver o mundo. O Novo Testamento resume com clareza a vida nova de quem espera: «Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que pela sua grande misericórdia, através da ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos, nos gerou de novo para uma esperança viva… Por isso viveis alegres, embora um pouco aflitos por agora por causa de várias provações» (1Ped 1,3-6). Um segredo, mal guardado, da fé cristã consiste na impossibilidade do desespero.