Armindo Vaz, OCD
Por primeira vez na história da Igreja, em 1300, o Papa Bonifácio VIII promulgou o jubileu e instituiu a indulgência jubilar, com a remissão das dívidas – agora espirituais – causadas pelos pecados: «Concedemos uma indulgência de todos os pecados, não só plena e mais abundante, mas pleníssima». Depois, a doutrina sobre as indulgências evoluiu até ao Papa Francisco, que fez uma inovação importante: a abertura da «Porta Santa é para oferecer a experiência viva do amor de Deus» (Bula de proclamação do jubileu ordinário 2025, Spes non confundit, 6). Colocou em primeiro plano a misericórdia e o perdão de Deus oferecido gratuitamente às pessoas que mediante a oração se abrem ao dom do Pai na pessoa do Filho amoroso, em vista da reconciliação com os irmãos: «A todos, crentes e afastados, possa chegar o bálsamo da misericórdia como sinal do reino de Deus já presente no meio de nós» (Bula de proclamação do jubileu extraordinário da misericórdia em 2015, Misericordiae vultus, 5). Sublinha que a misericórdia é «a arquitrave que suporta a vida da Igreja… A Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa» (Misericordiae vultus, 10 e 12).
Nesta nova espiritualidade do jubileu já se fala pouco de indulgências. Usa-se a palavra no singular, que subentende mais o amor de Deus que perdoa do que os actos de piedade para obter o perdão. E as expressões habituais na celebração dos jubileus do passado, «ganhar indulgências», «remissão da pena temporal devida aos pecados»…, dispensam-se sem perder a riqueza espiritual e humana do amor de Deus concedido. «Viver a indulgência no Ano Santo significa aproximar-se da misericórdia do Pai com a certeza de que o seu perdão cobre toda a vida do crente. A indulgência é… para que o perdão se estenda até às últimas consequências aonde chega o amor de Deus» (Misericordiae vultus, 22). O jubileu recusa olhar para a vida como sem-sentido ou como fado e sugere vivê-la com júbilo: não é para a condenar, mas para a recuperar e redimir, até nos que a consideram perdida.
A palavra mais apropriada para exprimir o conteúdo da indulgência é misericórdia. A indulgência sublinha a grandeza da misericórdia de Deus e aponta para ela: «Não é por acaso que na Antiguidade a palavra misericórdia era permutável com indulgência, precisamente porque tem a intenção de exprimir a totalidade do perdão de Deus que não conhece limites… [Cristo] é “a nossa indulgência”» (Spes non confundit, 23). A Misericordiae vultus concretiza o alcance da indulgência: «Todos nós fazemos experiência do pecado… Sentimos fortemente o peso do pecado. Ao mesmo tempo que notamos o poder da graça que nos transforma, experimentamos a força do pecado que nos condiciona. Apesar do perdão, carregamos na nossa vida as contradições que são consequência dos nossos pecados. No sacramento da Reconciliação, Deus perdoa os pecados, que são verdadeiramente apagados. Mas o cunho negativo que eles deixaram nos nossos comportamentos e pensamentos permanece. A misericórdia de Deus, porém, é mais forte. Torna-se indulgência do Pai que, através da Esposa de Cristo, alcança o pecador perdoado e o liberta de qualquer resíduo das consequências do pecado, habilitando-o a agir com caridade, a crescer no amor em vez de recair no pecado» (n.º 22; cf. Spes non confundit, 23). A indulgência dá ao pecador a consciência de redimido e de que está sempre frente à bondade de Deus como Pai. Todavia, esta apresentação da espiritualidade da indulgência não deve levar a desconfiar da eficácia total da misericórdia de Deus manifestada na vida e na morte de Jesus e comunicada no sacramento da Reconciliação; o jubileu proporciona e reforça o clima espiritual apropriado para o confessado prolongar os frutos do sacramento.
Entre os exercícios para obter a indulgência dos pecados, Francisco propõe visitar – em peregrinação – uma basílica, um santuário, uma igreja jubilar. Com isso sugere que a fé cristã agradece lugares e momentos que recordem concretamente os seus factos históricos fundadores. Dirigir-se em peregrinação a um lugar considerado sagrado é, simbolicamente, demandar a terra prometida, a Jerusalém celeste (Ap 21,1.4). É fazer um retiro espiritual, subir ao monte de Deus, como Abraão, Moisés, Elias, Jesus, Paulo… A prática da peregrinação desempenha um importantíssimo papel catequético e de amadurecimento da vida espiritual. Libertada de expressões supersticiosas e reduzida ao seu significado genuíno, constitui um verdadeiro meio de crescimento humano e espiritual. E «representa um elemento fundamental de todo o evento jubilar. Pôr-se a caminho é de quem anda à procura do sentido da vida… Favorece muito a redescoberta do valor do silêncio, do esforço, daquilo que é essencial» (Spes non confundit, 5). Quem faz o exercício sagrado da peregrinação proclama íntima e socialmente a sua condição de caminhante sobre a terra, na dureza e nas alegrias da vida; declara-se insatisfeito com o já realizado e desejoso de subir mais no humano e na vida do espírito. A peregrinação é uma oportunidade para a descoberta, para a purificação interior. É ocasião para a catequese do coração, sob o signo da contemplação, do gozo e da paz de espírito; é uma iniciação ao «itinerário da alma para Deus». Mais do que puro exercício de ascese que exige esforço, mortificação e penitência, a peregrinação ‘diz’ que o seguidor de Jesus não se prende muito a coisas passageiras e não olha para trás, porque o atrás já passou. Peregrinar é entender que a vida é breve e não há tempo para fazer tudo, muito menos o mal, mas só o bom e o melhor. Nem há autêntica peregrinação se o peregrinar físico não realiza uma peregrinação ao interior do ser e da vida, para perceber que sentido e que orientação dar-lhe. Implicando oração e conversão, a peregrinação continua a ser uma forma irrenunciável de humanização. Durante uma peregrinação jubilar e no fim dela, reaviva-se a esperança humana e crente como melhor fruto da celebração do jubileu. [continuará]