Armindo Vaz, OCD

Para os portugueses, Maio é o mês de Maria. Pegou-se-lhes como devoção desde o seio materno, onde sentiam o pulsar do coração da própria mãe a rezar à mãe de Jesus por uma boa gestação. Por isso, não sabem viver Maio sem venerar a virgem Maria, especialmente como é invocada em Fátima. Então, também neste Maio lhe dedicamos uma meditação, enquanto lhe pedimos, como Nossa Senhora dos Remédios e do Perpétuo Socorro, intercessão junto do Filho para a luta contra a pandemia.

Ela não é posta muitas vezes a falar nos evangelhos canónicos. No ministério público de Jesus só é posta a falar uma vez, na boda de Caná: é a primeira vez que ela entra em cena durante a vida pública de Jesus e é a quarta e última vez que é posta a falar, depois de ter sido posta a dialogar com o anjo, com a parente Isabel (no Magnificat) e com o filho de doze anos no templo de Jerusalém. Neste Maio escutamos as palavras de Maria em Caná: João 2,1-12.

Este relato de uma boda não faz muito sentido se for lido como factualidade histórica. A sua mensagem nasce do seu simbolismo, descoberto na releitura do êxodo bíblico e da aliança bíblica de Deus com Israel, intuída pela fé profética. A boda remete para o símbolo nupcial do amor de Deus-Esposo pelo seu povo-esposa no contexto da aliança, frequentemente simbolizada pelo vinho. No tempo de Jesus, a vida em Israel concentrava-se nas instituições em vez de se concentrar no amor para com Deus: como quem celebra uma boda sem vinho. Por isso, a mãe de Jesus notou-lhe: “Não têm vinho!” Nesta boda de Caná – que representa a aliança antiga e propõe a aliança nova do amor de Jesus a quem quiser incorporar-se nela – não existia relação de amor entre o povo e Deus. “Faltava o vinho”. No dealbar da nova aliança realizada por Jesus, é pela intervenção da mãe que ele entra em acção. Ela liga ao Filho a festa da vida e o néctar da felicidade humanas. Se a significação da boda de Caná está sobretudo na acção de Jesus como esposo da nova humanidade, João dá relevo à relação de Maria com o Filho, que salvou com o amor. Na nova aliança estão a mãe e o filho, anulando as distâncias entre Deus e o ser humano.

As últimas palavras que os evangelhos puseram na boca dela soam a testamento espiritual que convida à acção: “fazei o que ele vos disser”. Um dos aspectos mais exaltantes da figura de Maria – e que está ilustrado neste relato – é a missão de nos remeter para o Filho. Jesus, que está no centro da cena, é o único salvador; e Maria, ao lado do Filho, orienta-nos para ele, o verdadeiro noivo que está no centro da boda/aliança: “fazei o que ele vos disser”.

Este ponto do relato de João é pintado na espiritualidade do Oriente em cores vivas pelo sugestivo ícone mariano chamado Hodeguetria ou Odigitria (do verbo grego hodeguéo = conduzir a), isto é, «aquela que indica o caminho» da salvação e da alegria, o caminho para Jesus: é um ícone da Virgem Maria Theotókos [Mãe de Deus], com o Menino Jesus ao colo e a apontar para ele, ícone que na Igreja do Ocidente por vezes é chamado «Nossa Senhora do caminho». Na Audiência Geral de 24.3.2021 o Papa Francisco referiu-se a este lugar privilegiado da Mãe de Jesus na vida e na oração do cristão: “Ela indica o Mediador: Ela é a Odigitria. Na iconografia cristã a sua presença está em toda a parte…, mas sempre em relação ao Filho e em função d’Ele”. E, a partir daí, respondendo mais uma vez ao pedido de alguns teólogos que gostariam de ver dogmaticamente Maria como Co-redentora, aproveitou para marcar posição teológica: “Cristo é o Mediador, a ponte que atravessamos para nos dirigirmos ao Pai. É o único Redentor: não existem co-redentores com Cristo. É o Mediador por excelência, é Mediador. Cada oração que elevamos a Deus é por Cristo, com Cristo e em Cristo e realiza-se graças à sua intercessão. O Espírito Santo alarga a mediação de Cristo a todos os tempos e lugares: não há outro nome no qual podemos ser salvos (cf. At 4, 12). Jesus Cristo: o único Mediador entre Deus e os homens. Da mediação única de Cristo adquirem significado as outras referências que o cristão encontra para a sua oração e devoção, em primeiro lugar à Virgem Maria, Mãe de Jesus… Como Mãe a quem Jesus nos confiou, envolve todos nós; mas como Mãe, não como deusa, não como co-redentora: como Mãe”. Francisco já tinha dito em Fátima citando S. Paulo VI: “se queremos ser cristãos, teremos de ser marianos; isto é, devemos reconhecer a relação essencial, vital e providencial que une Maria a Jesus e que nos abre o caminho que leva a ele” (12.5.2017).

Fazei o que ele vos disser!” É um programa de amor para os serventes/discípulos de Jesus. O que ele diz está resumido no mesmo evangelho de João: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros…, como eu vos amei” (Jo 13,34-35). Fazei! Amai! Tornai vivo o evangelho. Desde Caná é sempre possível recomeçar, com as palavras de Maria que falam ao coração, com a Palavra de Jesus que transfigura a vida.