Publicamos a intervenção do Provincial da Ordem dos Carmelitas Descalços, P. Pedro Lourenço Ferreira, no Congresso Internacional “Os Carmelitas no Mundo Luso-Hispânico – História, Arte e Património”:

 

«Em nome da Ordem dos Carmelitas Descalços saúdo o Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, o Senhor Professor Doutor Luís Aires de Barros, e a Comissão Organizadora deste Congresso, os Professores Doutores Fernando e Madalena Oudinot Larcher. Este evento é uma honra para toda a família carmelita: afirma a unidade das duas Ordens na diferença que as engrandece. Permitirá, certamente, aprofundar a história e a arte duma família religiosa de grande património espiritual. A Ordem dos Descalços, como também a Ordem do Carmo, encerra em si as três Ordens clássicas: os frades, as freiras e os seculares. Na Ordem Carmelita Descalça as freiras são o ramo mais florescente e vistoso na Igreja e na sociedade, o que se reflete na arte e no património. A Ordem Terceira ou Secular é também importante porque  estende à secularidade o carisma original da vida religiosa: Pensemos no património da Ordem Terceira do Carmo Descalço do Porto e de Tavira.

Agradeço a oportunidade que me é dada nesta saudação inicial e aproveito para confessar a minha convicção pessoal de que a história, a arte e o património das Ordens carmelitas procedem de uma fonte comum, um carisma, um serviço de Igreja. Nos inícios da Ordem carmelita temos uns valentes guerreiros, organizados em cruzadas, que escolheram para o final das suas vidas uma organização comunitária e eremítica para o combate decisivo das suas vidas, o combate espiritual que os devolveu à Europa convertidos em carmelitas. Passados uns séculos, a Ordem deu origem a uma nova Ordem, à imagem e semelhança da primeira, com características e objectivos espirituais idênticos.

A reforma da Ordem do Carmo foi iniciada por uma mulher, Teresa de Ávila. Foi ela que angariou os primeiros homens para a sua nova Ordem de Carmelita Descalços. Entre os carmelitas que ela associou para reformar os frades encontra-se S. João da Cruz. Ela é a verdadeira fundadora, e a partir de então é o seu carisma que define os Carmelitas Descalços. Teresa era uma freira do Mosterio da Encarnação em Ávila. Ao tomar consciência das guerras religiosas que desintegravam a cristandade e dividiam a Igreja na Europa, Teresa toma posição e organiza uma cruzada espiritual com algumas companheiras. Deixaram aquela grande casa e reuniram-se numa pequena casa que adaptaram a Mosteiro e dedicaram a S. José. A Fundadora faz a seguinte descrição: «Chegaram-me notícias dos danos e prejuízos causados em França por estes luteranos e quanto ia em crescimento esta desventurada seita. Deu-me grande pesar e, como se eu pudesse ou fosse alguma coisa, chorava com o Senhor e suplicava-Lhe que pusesse remédio a tanto mal. Parecia-me que mil vidas daria para remédio de uma alma, das muitas que ali se perdiam. E, como me vi mulher, ruim e impossibilitada de trabalhar como eu quisera no serviço do Senhor, toda a minha ânsia era, e ainda é, pois Ele tem tantos inimigos e tão poucos amigos, que estes fossem bons. Determinei-me, pois, fazer este pouquito que está em minha mão: seguir os conselhos evangélicos com toda a perfeição que eu pudesse e procurar que estas poucas que aqui estão fizessem o mesmo. .. Ocupadas em oração pelos defensores da Igreja e pregadores e letrados que a defendem, ajudássemos, no que pudéssemos, a este Senhor meu, que tão atribulado O trazem aqueles a quem fez tanto bem.  Ó irmãs minhas em Cristo! Ajudai-me a suplicar isto ao Senhor, que para isto vos juntou Ele aqui. Esta é a vossa vocação; estes hão-de ser os vossos negócios; estes hão-de ser os vossos desejos; aqui as vossas lágrimas; estas as vossas petições; … querem deitar por terra a Sua Igreja … ; não é tempo de tratar com Deus negócios de pouca importância» (Caminho, 1,2.5). Num outro escrito declara: «Parece-me a mim que sozinha me oporia a todos os luteranos para lhes dar a entender seu erro» (Relações, 3, 8).

Senhoras e Senhores, a vida das carmelitas descalças tem uma missão específica: trabalhar pelo bem da Igreja e da humanidade por meio da oração numa vida recolhida. A vida dos carmelitas descalços associa o apostolado específico da oração à experiência da união com Deus e, conforme o desejo da Fundadora, o assessoramento espiritual das carmelitas. A actividade da Ordem Descalça é mais teresiana, ou seja mais feminina. Em Portugal confirma-se esta regra com os testemunhos de S. Nuno na Ordem do Carmo e a Irmã Lúcia no Carmelo Descalço de Coimbra. A história, a arte e o património das duas Ordens da família carmelita têm os mesmos fundamentos e a mesma pedra angular, que é Cristo. Nos conventos dos frades e nos mosteiros das monjas carmelitas tudo se destina à oração e à vida fraterna em comunidade: esta é a chave da porta principal de entrada para o estudo das Ordens Carmelitas.»

 

Pedro Loureço Ferreira, Provincial OCD